Entrevista
a Delmar Gonçalves poeta e escritor moçambicano
1)
Comecemos com a pergunta da praxe, como começou a escrever?
R:
Bem, comecei a escrever na escola e na altura escrevi mais prosa. Isto foi em
1982, ainda em Moçambique, e nessa altura já admirava muito o Eça de Queirós,
Escritor Português, que descobri na
humilde mas bela Biblioteca Municipal de Quelimane. E gostava também de ler
Banda Desenhada, Lendas e Contos.
2) Quais são as influências da infância
e adolescência que determinaram para a sua opção pela poesia e não para uma
outra vertente artística? E porque?
R:As
minhas influências da Infância e Adolescência que determinaram a minha opção
pela Escrita e não propriamente pela Poesia, de que no princípio nem era grande
adepto, e não escrevo apenas Poesia.Foram como disse, antes as minhas leituras
de Eça de Queirós (de Portugal), a descoberta da Moçambicana Noémia de Sousa na Poesia, da Poesia Erótica e Satírica do Poeta
Português Bocage, da Poesia do
Moçambicano Rui Nogar, da leitura dos Contos das Mil e Uma Noites, da leitura de Pepetela (de Angola), da leitura
de Ruy Mingas (de Angola) e de alguns
dos livros da colecção FBI que
surripiava ao meu pai. Depois, lia muito os Jornais Moçambicanos “Notícias”,
“Domingo” e a Revista “Tempo” que o meu pai sempre comprava e via muito Cinema
que depois contava aos familiares e amigos (meu falecido irmão mais velho era Artista Plástico Moçambicano e trabalhava
em dois Cinemas de Quelimane). Também tinha um avô já falecido, que
gostava de contar Histórias com grandes pingos de humor! Foi aí que decidi começar as minhas primeiras tentativas de
Escrita.
3) Como se deu o processo de fixação em Portugal e
para que fins?
R:
Foi doloroso. Nunca o esperei, pois a
incorporação no serviço militar obrigatório moçambicano de vários familiares
meus, entre eles de um irmão, vários primos, tios e tias, devido à birrice vingativa pessoal de
um Comandante com a minha Família, não augurava nada de bom para mim e para um
outro irmão meu. Tivemos de sair do nosso país para Portugal para
prosseguir os Estudos. A África do Sul nunca foi opção, porque não concordavamos com o desumano Sistema político do APARTHEID.
4) Como tem sido a sua vida artística fora de
Moçambique?
R:
Tem
sido abençoada por coisas boas graças ao meu esforço, trabalho e dedicação. Já
ganhei alguns Prémios e Reconhecimentos importantes. Felizmente os Convites não
param de surgir. Ainda espero concretizar
muitos Projectos e muitas conquistas.
5) Sabemos que criou o CEMD «círculo de escritores
moçambicanos na diáspora» qual é exatamente o trabalho que desenvolve?
R:Promover
e Divulgar a Literatura Moçambicana (dentro e fora de Moçambique) e autores
Moçambicanos conhecidos e desconhecidos que estão dentro e fora de Moçambique, criar
pontes entre nós e potenciar o
intercâmbio entre os Autores da CPLP.
6) Que relações mantem com os escritores moçambicanos
na diáspora e em Moçambique?
R:
Quer
nas diásporas, quer em MOÇAMBIQUE sem
excepção, relaciono-me bem com todos, de forma natural, saudável e
normal. Existe um intercâmbio intelectual saudável. Todos os dias trabalho para que este
objectivo seja uma realidade, pois acredito que o compromisso maior dos
Escritores deve ser com a Escrita! Alguns desses Escritores, tornaram-se meus amigos pessoais e cúmplices das grandes jornadas literárias!
7) Na sua opinião quais são as
dificuldades para publicar um livro em Moçambique?
R: Tem a ver com o fraco investimento editorial
nos autores moçambicanos menos conhecidos ou ainda pouco reconhecidos ou
desconhecidos. As grandes Editoras não apostam em valores desconhecidos. Uma
visão estratégica errada! Depois, o mecenato cultural deveria ser mais
incentivado e reconhecido!
8) Fale-nos da
literatura africana contemporânea (Angola, Cabo-verde, Guiné-Bissau, Moçambique
e São Tomé e Príncipe).
R:
Creio que as Literaturas Moçambicana, Angolana e Cabo-Verdiana levam vantagem
sobre as Literaturas da Guiné-Bissau e São Tomé e Princípe. Ganharam um
Estatuto diferente! Moçambique, Angola e Cabo Verde ganharam a Projecção que a
Guiné-Bissau e São Tomé e Princípe ainda não
possuem. Mas julgo também que apesar de tudo, todas elas partilham os
mesmos dramas e problemas!
9) Na sua opinião como
está a literatura africana de língua portuguesa, em termos de produção?
R:
O número de Autores de qualidade aumentou e obviamente a produção literária
cresceu. Virou moda ser Escritor, Poeta
ou Artista Plástico! O inverso também aconteceu, há demasiada gente publicando,
mesmo sem qualidade nenhuma. E existe
muito oportunismo e busca de simples protagonismo doentio. Será necessária a filtragem, que
estou certo só a crítica e as Academias se encarregarão de fazer! Nesse
processo, deve estar de fora o poder político!
10) Qual a sua opinião sobre o ensino das
artes nas escolas africanas?
R:
Julgo
que em relação ao meu país em especial, apesar de ter grandes mestres da
Pintura, Desenho, Escultura, Cerâmica e Fotografia (Malangatana, Chichorro, Bertina
Lopes, José Pádua, Naguib, Inácio Matsinhe, Reinata Sadimba, Shikani, Lívio de Morais,
Ribeiro Canotilho, Chissano, José Júlio, Lara Guerra , Mankeu, Naftal Langa, Heitor Pais, Ricardo Rangel, Ntaluma),
precisa de um grande investimento na área do Ensino.Mais Escolas Intermédias,
Profissionais e Superiores de Artes e de preferência em todas as Cidades
Capitais Provinciais até ao Ensino Universitário, com promoção de Mestrados e
Doutoramentos. Julgo também que teremos
muito a aprender com outros países da África Central,nesse aspecto particular! De
resto, acredito que Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e
Princípe têm problemas comuns nesta área.
11) Sobre a literatura
de língua portuguesa, que livros recomenda para leitura obrigatória e porquê?
R:
Neste momento, julgo haver Autores que já deveriam ser obrigatórios! Sem
discriminar ninguém, julgo que José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Rui
Nogar, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Paulina Chiziane, Eduardo White, Luís Carlos
Patraquim e Virgílio de Lemos devem ser as referências. Mas sem descurarem
Antologias inclusivas de todos os outros Autores Moçambicanos que estão
dentro e fora do país e já
possuem obra significativa.Exemplos? Nélson Saúte, Marcelo Panguana, Calane da Silva, Ascêncio de
Freitas, Lília Momplé, João Paulo Borges Coelho, Heliodoro Baptista, Jorge
Viegas, Suleiman Cassamo, Delmar Maia Gonçalves, Guita Jr., Sebastião Alba, Sónia
Sultuane, Lucílio Manjate, Ruy Guerra, Albino
Magaia, Bahassan Adamodgy, Jorge Rebelo, Filimone Meigos, Marcelino dos Santos,
Luís Bernardo Honwana, Rui de Noronha, Reinaldo Ferreira, Nuno Bermudes, Glória
de Sant’Anna, Ana Mafalda Leite, Orlando Mendes, entre outros.
12) Qual é a importância
da literatura oral no contexto atual e num mundo cada vez mais globalizado?
R:
É de importância fulcral, pois é o início de tudo. Necessariamente teremos de
preservá-la, defendê-la! Está lá a nossa Identidade, a raiz da nossa História
ancestral! Mas julgo estar neste momento
sendo resgatada pelos jovens Africanos, que já perceberam a sua
importância!
13) Fale-nos do contexto
atual do estado Moçambicano, estamos a beira de uma guerra? Como cidadão qual é
a sua opinião?
R:
Creio que neste momento vivemos uma guerra não declarada, com consequências imprevisíveis. O próprio regime
de tipo Democrático estará posto em causa em termos de futuro. Sou
absolutamente contra o belicismo actual, e, portanto, contra qualquer hipótese de
guerra. Este conflito deve ser resolvido pela via do Diálogo, que aliás estava
decorrendo quando foi bruscamente interrompido! Não julgo normal ou viável que
sucedam ataques armados recíprocos com mortes e em simultâneo se fale de
Diálogo e de Paz! As Hostilidades devem parar já!!! É uma loucura, um absurdo
em que o Povo Moçambicano não se revê!
14) Enquanto poeta e
escritor, que mensagem deixaria para a juventude africana?
R:
Apelaria para que a Juventude Africana aposte forte na sua formação quer Académica
quer Profissional, acredite em si própria e tenha fé e esperança no FUTURO, sem
que isso signifique deixar de ser mais
reivindicativa , mais crítica e
auto-crítica no PRESENTE! Nada nos é dado de mão beijada, gratuitamente. Temos
de lutar, lutar sempre para conquistar
um pedaço que seja do nosso chão!
Por: Domingas Monte
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