domingo, 28 de setembro de 2014

“DIAS SERENOS” de LUÍS PEDRO PROENÇA


A iluminação espiritual tem algo a ver com o ponto do espírito onde o alto e o baixo, o interior e o exterior, o superior e o inferior, o sonho e a acção, o real e o imaginário, deixam de ser percebidos contraditoriamente.
Assim que se começa a estudar o zen, uma árvore não é uma árvore, um rio não é um rio. Deixam de o ser. Assim que se atinge a iluminação espiritual, uma árvore é de novo uma árvore, um rio é de novo um rio. O método que consiste em não seguir nenhum método é o método por excelência.
Alguém duvida?  
O dia e a noite deixarão de opor-se. Na realidade, nunca se opuseram.
A raiz comum na imaginação será reconhecida. Sendo o exterior à imagem do interior, a vida será uma autêntica obra de arte. Na verdade, uma obra-prima única e inigualável.
O nosso intelecto é inegavelmente necessário para compreender as próprias limitações.
Segundo a experiência e perspectiva zen, o verdadeiro conhecimento é inseparável da experiência imediata. És posto à prova sozinho.
Mas se o homem olhar bem para dentro de si, adquire indubitavelmente a consciência superior da sua magnífica solidão, que o isola sim, mas não separa do resto da existência.
Aquele que é senhor de si mesmo, que é capaz de ouvir o que os outros dizem e não dizem, penetrando no pensamento com uma agilidade mental admirável, estará em condições indiscutíveis de compreender mil e uma coisas diferentes de uma realidade sem nome e sem forma definida.
A definição, mais ou menos clássica ou  mais ou menos académica, só satisfaz aqueles que querem  rotular o conhecimento separado da própria vida. O verdadeiro conhecimento não é rotulável nem hierarquizante. E nunca em momento algum deveria ser separado da vida.
O zen oferece-nos condições para que vivamos completamente livres do condicionamento das emoções negativas sempre nefastas, e da condição de alienados.
A humildade é portanto a condição número um para que tal suceda. Mas também não podemos esquecer a dedicação constante e diária para nos conhecermos e para vigiarmos o nosso comportamento inconstante.
No que à grande quietude do Poeta iluminado diz respeito, ele nunca está sereno por se dizer que a bendita serenidade é excelente. Está sereno porque a enorme e gigantesca multidão de coisas não pode jamais perturbar a sua serenidade, jamais!
As palavras fazem amor. As palavras- actos e não as que pressupõem actos.
Nós passamos a respirar as palavras – actos. Não há separação.
E isto só é possível com o zen. Ou não?
Quando “trabalhamos” somos como flautas e no nosso coração o murmúrio das horas, do tempo soa como música. Uma música harmoniosa.
E o que é trabalhar com amor? É tecer o nosso pano com os fios do coração, como se estivéssemos a tecer e moldar a roupa do nosso mais que bem amado universo em que viveremos.
Recordando o grande Poeta RABINDRANATH TAGORE diremos então que “ Sobre as tramas do nosso finito que é infinito e cuja tapeçaria bordamos quotidianamente nossas vidas, acaba sempre visível a mais ínfima nódoa!”
Por isso se torna vital a nossa harmonização interior para que expressemos um exterior muito mais transparente, mais sereno e sem mácula.

DELMAR MAIA GONÇALVES

(ESCRITOR e PRESIDENTE DO CÍRCULO DE ESCRITORES MOÇAMBICANOS NA DIÁSPORA – CEMD)

“TCHANAZE, a donzela de SENA” de CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE



Uma obra em segunda edição (a primeira foi em 2009) que resgata a riqueza cultural ancestral africana e a aura de mistério que rodeiam as tradições e os mitos ancestrais africanos numa linha que deu continuidade mágica em “N´TSAI TCHASSASSA A VIRGEM DAS MISSANGAS”, o seu segundo magnífico romance de 2013 e depois do seu anterior, inicial e sereno navegar pela Poesia em “ GESTAÇÃO DO LUAR” em 1991.
O ressuscitamento e cruzamento ficcional de mitos, lendas, ritos e tradições ancestrais é a sua imagem de marca.
Estamos, portanto, perante um escritor Moçambicano e Africano de longo curso (porque nos oferece muitas possibilidades de leitura e releitura e, porque muito esperamos dele e da sua sagacidade, talento, engenho e da sua já consolidada maturidade na escrita).
A revalorização e convocação das tradições, dos ritos e dos mitos do grande ZAMBEZE será como que uma recuperação simbólica desse estado civilizacional anterior aos quase fatais golpes de força externos (colonização, aculturação e assimilação) e internos (independência, revolução, socialismo científico, monopartidarismo , pluripartidarismo, democracia, capitalismo e globalização), sua assumpção na escrita moçambicana em língua portuguesa que ganhou hegemonia, estrangulou-a, asfixiou-a, mas não a apagou nem apagará como prova este autor e esta obra e ainda outros autores como PAULINA CHIZIANE que a prefaciou ou UNGULANI BA KHA KOSSA que fazem abordagens ficcionais desconstrutivas, críticas e autocríticas das sociedades africanas ancestrais e actuais.
CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE resgata com profundidade os valores tradicionais, valores próprios das culturas de tradição oral de um passado que nunca esteve nem estará ausente de/ em África, convocando-os do passado para o presente rumo ao futuro.
Não se trata de regressar ao passado, mas de trabalhar a modernidade sem renegar o passado ou virar as costas ao rico e vasto património cultural tradicional ancestral que urge hoje mais do que nunca preservar e revalorizar em memória escrita, ainda que ficcionada. É essa a missão do escritor.
Ao trazer estas formas e o imaginário africano, moçambicano e bantu da tradição oral para a sua obra, CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE chama a atenção para todo o manancial e riqueza das culturas bantu moçambicanas mais profundas e enraizadas que já chegaram a ser rotuladas como meras superstições e puro exercício do obscurantismo, primeiro pelo colonialismo e depois pelos conturbados ventos da revolução moçambicana.
Nesta óptica, a recuperação dos valores ancestrais do mundo tradicional bantu, uma vez que é a rejeição clara de posturas exógenas, cumpre uma função histórica e pedagógica de um irreversível processo de desassimilação, de demarcação relativamente ao que é exterior e estranho à(s)  cultura(s)  genuinamente Moçambicana(s).
Podemos concluir dizendo convictos que a presença dos modelos de tradição oral neste autor é sabiamente orientada fundamentalmente por um espírito de afirmação claríssima da identidade cultural Moçambicana e da reafirmação inequívoca da identidade de uma literatura emergente e consolidada por um conjunto de autores variados de grande qualidade.
Por essa razão atrevemo-nos, pois, a afirmar que se quiserem conhecer as entranhas do MOÇAMBIQUE profundo, na misteriosa e labiríntica região do grande ZAMBEZE, mergulhem na aventura desta obra ficcional que este autor generosamente nos oferece.
Segundo o ilustre académico Moçambicano Lourenço do Rosário «As narrativas de tradição “oral” africana têm uma forte componente didáctico – moralizante», isto reflecte-se aqui na sua estruturação magistralmente construída, porque nos ensina que no MOÇAMBIQUE profundo por vezes oculto os vivos e os mortos, o visível e o invisível se entrelaçam na roda do mundo em que vivemos e por onde caminhamos na eterna dança do quotidiano ao som dos passos do batuque e que há saberes propositadamente ocultos ou adormecidos que devem ver a luz do dia. Por outro lado, não nos esqueçamos que foi indubitavelmente com o mito que a história humana sempre e em toda a parte começou; foi através do mito que os vocábulos, os símbolos originários tomaram a sua primeira forma e cada era nova da história os redescobriu à sua maneira. Ora, como se sabe o processo cultural de onde a literatura de MOÇAMBIQUE emerge tem grande parte das suas raízes mergulhadas no mito, vivificado no quotidiano e presente na visão religiosa ou animista “africana” e religadora do homem à terra e ao transcendente.
Bayete pois para o Escritor CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE.



DELMAR MAIA GONÇALVES

(ESCRITOR e PRESIDENTE DO CÍRCULO DE ESCRITORES MOÇAMBICANOS NA DIÁSPORA – CEMD)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

PREFÁCIO do livro “Olhar de uma Africana” de Margarida Tavares


Pediu-me a amiga e “soba” MARGARIDA TAVARES (uma verdadeira lição de vida em carne viva), das ilhas crioulas de CABO VERDE que escrevesse um prefácio em tempo record, para este “Olhar de uma Africana”.
O tempo foi curto para um empreendimento desta dimensão, natureza e responsabilidade, e o nível de auto-exigência desproporcional. Mas o que fazer? Dizer não? Como resistir ao apelo da África viva? Como resistir ao apelo da poesia? Como resistir à fraternidade humana? Como resistir ao apelo da Lusofonia?
A Autora, “mais um precioso pedaço de pau-preto disseminado pelo Mundo”, nas palavras da malograda e grande Poeta Moçambicana NOÉMIA DE SOUSA, abraça a Lusofonia como quem se embrenha num Poema inacabado para finalmente concretizá-lo.
Decifrar seu universo enigmático e singular, no plano de uma poética subjectiva, torna-nos ainda mais cúmplices de uma experiência ou conjunto de experiências que envolvem a própria vida.
Mas, não é verdade que cada ser humano é ele próprio uma ilha nascendo noutras ilhas?
Fica-nos a poética pujante e pungente de MARGARIDA TAVARES, uma mãe coragem de África, para com ela nos deliciarmos e descobrirmos também as ilhas que há em nós, individual e colectivamente, para finalmente redescobrirmos a maravilha da infalibilidade da interdependência.
Este livro, como a Autora, é de uma audácia que vale a pena descobrir.
Títulos como “Os líderes Africanos”, ”Regresso de um Emigrante”, ”Preto”, ”Africana”, ”Crianças Africanas”, ”Estudantes Africanos”, ”Cabo-Verdiano”, ”Continente Africano”, entre outros, provam que a África vai pulsando nas diásporas e sugerem o orgulho nas/das origens, o orgulho de ser Africano e um claro e pujante apelo fraterno da presença Africana no mundo. Na verdade, tudo o resto estará nas entrelinhas do subjectivo e secundário, que África não se encerra nunca nas páginas dos livros e MARGARIDA TAVARES cantá-la-á sempre e enquanto respirar e, ainda mais, sempre que um Leitor atrevido e sedento devorar esta obra que urge descobrir e redescobrir.
É fundamental, pois, que cada um de nós ao lê-lo, olhe bem para dentro de si próprio para adquirir a consciência da sua magnífica solidão que nos enriquece e enriquecerá sempre na diferença.
África essa continuará a dançar na autora ao som dos batuques, em nós Leitores e no Mundo, através destes belos, altivos e fraternais Poemas.

DELMAR MAIA GONÇALVES

(ESCRITOR e PRESIDENTE DO CÍRCULO DE ESCRITORES MOÇAMBICANOS NA DIÁSPORA – CEMD)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Auto-biografia “Del Mar”




No Índico chamam-me “Menino do Mar” porque nasci lá perto, bem junto ao Rio dos Bons Sinais, em Quelimane. Sim, “Menino do Mar” e nunca me deram outro nome, que não este. E em mim moram Zambezes e Tejos. Há quem me chame “Mariñero”. No Golfo da Biscaia também me chamam “O Mar” e junto ao Mar Tirreno  chamam-me “Do Mar”. Curioso, nunca me lembrei de tanta coincidência junta, diziam as antigas lendas africanas, que lá nos mares distantes, bem longe, haviam abismos medonhos e profundos. Terei eu algum abismo profundo que abrigo desde tempos imemoriais? Sei, como corpo estranho, que me encontro preso nas entranhas de mares distantes mais a norte, junto ao Atlântico e a fala do mar Índico, que transporto ecoa ao longe, lá muito ao longe, faz tempo, muito tempo. Se eu não chegar ao meu destino, chegará o meu pequeno barco de sonhos, que procura um destino seguro.



Delmar Maia Gonçalves

( Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Agenda 2015 Literarte-CEMD




A agenda artístico-literária da Literarte/CEMD 2015 é um tesouro cada vez mais raro no contexto actual global em que vivemos e nos movemos. Na verdade, há viventes que tentam matar a poesia da vida, para que a descrença predomine. E sabemos bem que a poesia é vida. É missão por isso dos escritores, poetas e artistas plásticos devem remar contra a maré, declarando claramente alto e bom som – BASTA! Viva a Poesia da Vida!
Estamos perante um desafio gigantesco de empreendedorismo artístico, voluntarioso, que certamente dará os seus frutos. A perseverança triunfará finalmente sobre a descrença que, moribunda, sucumbirá!
Faça-se pois luz onde pouco ou nada se faz, onde nunca se fez e calem-se os rumores!
A arte da escrita reergue-se nesta agenda que trás consigo a grande virtude de criar pontes e marcá-las, provando que só desta forma se cumprirá o lema: “Abrindo os caminhos da Lusofonia!



Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)

"Deambulações pela Escrita" de Ascêncio de Freitas



Há sempre escritores que deixam marcas na água. Ascêncio de Freitas é um deles. Na verdade, coloco-o no mesmo patamar e na senda de grandes escritores universais lusófonos como Jorge Amado, José Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho, José Saramago, Manuel Lopes, Lobo Antunes e Baltasar Lopes.
Com um percurso literário “sui generis”, sempre navegando entre Moçambique e a Península Ibérica, sempre soube aproveitar os contactos com as grandes correntes literárias modernas através do seu conhecimento profundo das ideias, história, modelos, estéticas e ventos que os vários “exílios” lhe proporcionaram e tão bem soube e sabe usar na arte da escrita.



Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)

“LUÍS SOARES – UM ARTISTA QUE VÊ CLARO NA PRÓPRIA NATUREZA”





“Luís Soares – um artista que vê claro na própria natureza”

Sempre tive presente que os mares do Índico trazem consigo algo de mágico no restrito planeta das artes.
A verdade é que a “pérola do Índico” é banhada pelo oceano e quem lá se banha, marcará a diferença no mundo, dizem os búzios da inhaca.
Luís Soares, mestre da pintura e da cerâmica que tem o talento como bênção e é um navegador de todas as artes plásticas, confirma todas as sinas que um qualquer feiticeiro de Marracuene ou da Munhava predisseram.
Ninguém como ele passa com tanta mestria do gesto ao signo e do signo à figura.
Revelador de uma capacidade sui generis de criador artístico compulsivo, integra uma lista de elite proveniente de Moçambique que incluí nomes como Chichorro, Malangatana, Chissano, Shikani, Pádua, Naguib, Matsinhe, Canotilho, Morais, Maluda, entre outros.
Nele em especial a arte e a vida instalaram os seus movimentos perpétuos, os eternos retornos, desencadeados pelo sonho dos ventos invisíveis da criação que se vão tornando visíveis.
A arte revela-nos o ser em toda a sua extensão com uma noção de espaço alargada que vai da África profunda atingindo os cumes da Península Ibérica.
A sua policromia não engana.
Podemos então dizer que a poesia Índica do pincel navegou do Zambeze ao Tejo atracando serenamente em Cascais.

Bayete pois Poeta do Pincel !
Delmar Maia Gonçalves

(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Anotações “ O HABITANTE DA NOITE OU O LAVRADOR DE PALAVRAS” de Álvaro Fausto Taruma

“ O HABITANTE DA NOITE OU O LAVRADOR DE PALAVRAS”
O ofício da escrita definitivamente não é para todos. Podemos afirmá-lo com inteira convicção.
Mas neste caso específico é claro o talento nato da poética deste jovem autor Moçambicano que emerge das águas sagradas do índico.
Por isso, destemido, reivindica com razão “Um lugar onde possa fazer amor comigo mesmo, com os halos que se percutem na memória”, fazendo lembrar a fala de Zaratustra que terá dito “E logo que experimenta ternas emoções o Poeta pensa que a própria natureza está apaixonada por ele, e que se lhe acerca ao ouvido a sussurrar segredos e palavras carinhosas: é disso que se gabam e vangloriam perante todos os mortais”
Não deixa de ser significativo que esta obra tenha emergido das margens da Literatura Moçambicana onde abundam jovens com enorme potencial criativo, embora nem todos com este nível de maturidade. E tudo isto no momento certo, acrescentaria eu para completar a equação.
O tempo fará a necessária filtragem, que não nos cabe definir enquanto protagonistas da mesma arte.
Para quem o conhece bem certamente perceberá que há uma fusão permanente do autor enquanto poeta, do país que o viu nascer e o retêm e do homem que nele habita! Por isso, claro e conciso vai afirmando “Entristeço-me sempre que me revejo neste trapezista solitário no circo cada vez mais vazio e assustador de onde só se aplaude os malabaristas desenfreados da democracia”. Ouviram o poeta? Tê-lo-ão percebido?
A densidade das palavras não se mede pela sua extensão. É o que é, não é?
Por isso o vate mais uma vez e sem se deter acrescenta “De certo é belo o meu país mas deste modo custa-me vê-lo com a magia que empresto ao meu olhar, e não se espante no dia que tão cedo vier a bater-lhe a porta com uma carta de demissão nas mãos. Pois pensei, erradamente, que o fogo da paz pudesse arder tão alto, em labaredas laboriosamente trabalhadas sem faúlhas com falhas que nos pudessem prender à prisão claustrofóbica da escuridão”.
Felizmente este  poeta prova estar  acordado numa “escuridão” sem luz que o inspira!
Estranho? Nem por isso. Como dizia o poeta Libanês KAHLIL GIBRAN : “O homem é dois homens; um está acordado na escuridão, enquanto o outro dorme na luz”.
Lê-lo é rever a grande massa da juventude inconformada e por vezes rebelde que sonha novos futuros sem  deixar de navegar com a esperança como bússola.
Por isso diz convicto “De palavra em palavra se faz a minha lavra, expressa por entre os interstícios das páginas, que tal como os da terra se moldam, e decifra-se a safra que em frases se alonga, trespassados os ciclos ou as fases distintas, desde a veredicta semente ao chão inscrita até ao desabrochar do futuro em que a esperança acredita”.
É claro o navegar deste lavrador de palavras num punhado de versos cristalinos, transparentes, com a pureza de um mar despoluído e a maturidade de um velho imbondeiro guiado pelas sabedorias antigas.
Embora afirme lamentoso “Fui um errante certeiro nos arremessos que fiz”, dificilmente será um errante na arte da escrita. Na verdade, como dizia GIBRAN “A vida é uma procissão” e muitas luas nascerão, e por isso “ Possa Deus alimentar os superabundantes”!
Há um barco livre que habita os Poetas. Só o verdadeiro amor pela arte o consegue apreender e captar.
Segundo RILKE : “...o criador tem de ser um mundo só seu e tudo encontrar em si mesmo e na natureza a que se uniu”.
É o caso deste Poeta que tudo busca em si e no universo a que se uniu naturalmente, fundindo-se integralmente nele. Como prova a sua reivindicação pensada, quando diz : “Quero um barco onde eu seja veleiro dos meus próprios desejos, onde o remo e o mar se entrelacem num passo rumando aos meus ensejos”.
Terminaria citando VIRGINIA WOOLF que disse “As obras de arte são de uma solidão infinita e nada as pode abordar pior que a crítica” e acrescentaria eu que “Por isso se torna difícil analisar criticamente um autor e uma obra poética que respiram e transpiram magia pelos poros, e que a fluidez da escrita o denunciam de forma singular”!
É esta a vitória dos poetas, é esta a cruz, é esta a missão!!! E como acredito que a inteligência dos poetas e escritores precisa de viver num mundo mais amplo do que aquele a que as sociedades em que vivemos traçaram tão mesquinhos limites, só posso finalizar dizendo: “ BAYETE POETA TARUMA”!



Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora -CEMD )







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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Anotações para um possível Prefácio de "Dentro da Pedra que voa na metamorfose do Silêncio" de JAPONE ARIJUANE



“Dentro da pedra que voa na Metamorfose do Silêncio” de JAPONE ARIJUANE


Pediu-me o amigo confrade e conterrâneo Zambeziano JAPONE ARIJUANE que escrevesse alguma coisa sobre o seu Livro.Com muito gáudio o faço espraiando o que me vai na alma ao lê-lo, sendo certo que esta é a visão simultaneamente subjectiva e objectiva de um poeta sobre a obra de outro.Exercício de certo arriscado.
Se é correcto dizer-se que qualquer obra de arte é de uma profunda e infinita solidão, também o é afirmar-se que se o homem olhar para bem dentro de si, adquirirá a consciência da sua magnífica solidão que embora o isole singulariza-o, não o separando todavia do resto da existência.Claramente há no Eu-Poético indeléveis marcas de uma radical solidão interior carregada de vontades “Não tenho senão / essa vontade/ de me reinventar em palavras.”
Estou certo que aquele que é capaz de ouvir o que os outros dizem e não dizem, penetrando no pensamento com uma agilidade mental espantosa, estará sempre em condições de compreender mil e uma coisas diferentes de uma realidade sem nome e sem forma definida.
O elemento pedra adquire aqui uma importância fundamental , que é inaugurada no próprio título do Livro e atravessa a obra lapidarmente.E haverá elemento mais poético que a pedra que só a poesia consegue vitalizar?
Bem o diz o Poeta precocemente que “Já quis reformar essa coisa de poeta em mim…”, mas “os pássaros que voam de relance /na minha imaginação/ depilam pedra-a-pedra/ a minha sensibilidade.”.Não tenho dúvidas disso , comprovadas pela busca incessante na Mafalala dos trilhos galgados pelo Soba e Mestre Craveirinha, como que perseguido fatal e irremediavelmente pelos pássaros que traz e transporta consigo no peito que ora “…são pássaros de fogo e ferro” ora “…de sangue e carne”, e também pela sua indiscutível qualidade poético-literária.Poesia e muita verve, é o que nos oferece o vate Índico que se banhou nos Bons Sinais.
Por isso sente “saudades…/de sentir nos outros / as minhas emoções / emoções que jamais os outros / sentirão por mim…”
Verdade seja dita, os leitores não sentirão emoções pelo poeta, mas certamente sucederá a emoção pela degustação da sua poesia!Estou tão certo disso como São Tomé.Já os vejo deleitarem-se prazerosamente numa qualquer biblioteca ou numa esplanada cultural improvisada ou não.
Apesar da sua escandalosa modéstia ao afirmar “ A pureza do papel não me emociona / poderia fazer barcos de papel / poderia fazer barcos de poema / barcos de papel fi-los na infância / os de poema fazem-no os poetas.” Fazem-no os poetas?E ele que é um exímio ladrilhador de palavras?
Como dizia ponderadamente RILKE e faço minhas as suas palavras “…entre em si mesmo e examine as profundezas das quais a sua vida emana ; é na sua fonte que encontrará a resposta à pergunta sobre se deve criar.Assuma-a tal como lhe soa , sem dela duvidar.Talvez tenha a demonstração que está destinado a ser artista.”
Não direi portanto nada de novo ao recordar as sábias palavras de VIRGINIA WOOLF dirigidas aos jovens poetas que subscrevo inteiramente : “Deixe que as suas opiniões e juízos de valor tenham o seu próprio desenvolvimento calmo e imperturbável que, tal como todo o progresso, tem de vir do seu ser mais profundo que não pode ser forçado ou acelerado por coisa alguma.Deixar as coisas chegar ao seu termo natural e depois dar à luz.”Não é o melhor método o não – método?
Tenho a certeza que os poetas se revelam na generosidade com que se dão aos outros.A escrita sublinha a singularidade e a identidade únicas de cada um, que ficará ou não eternizado no verbo.
Pois como diz o poeta profeticamente “ A morte não é o fim / é a indiferença das coisas / à espera do novo dia.”
Tenho a certeza que pela força telúrica do verbo, os ventos lhe serão favoráveis , no nobre desejo que convicto o vate revela “ Há / em mim um desejo / de uma pedra / se tornar gente /para em silêncio / se retornar pedra.”
Entretanto , “É no silêncio da pedra / que se espelham as almas”.Mas no silêncio que apela,desafia,entranha, fermenta, grita, impele, interpela , planta, revolve e colherá o fruto inicial da impossibilidade da indiferença no / ao poeta.
Como dizia KAHLIL GIBRAN “Na verdade, falamos apenas para nós mesmos; contudo , falamos por vezes suficientemente alto para que outros nos consigam ouvir.”
Continue pois tecendo o pano da vida com os fios do coração!
Bayete Poeta do Índico!!!
Delmar Maia Gonçalves


(Escritor  e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora -CEMD)