“ O HABITANTE DA NOITE OU O
LAVRADOR DE PALAVRAS”
O ofício da escrita
definitivamente não é para todos. Podemos afirmá-lo com inteira convicção.
Mas neste caso específico é claro
o talento nato da poética deste jovem autor Moçambicano que emerge das águas
sagradas do índico.
Por isso, destemido, reivindica
com razão “Um lugar onde possa fazer amor comigo mesmo, com os halos que se
percutem na memória”, fazendo lembrar a fala de Zaratustra que terá dito “E
logo que experimenta ternas emoções o Poeta pensa que a própria natureza está
apaixonada por ele, e que se lhe acerca ao ouvido a sussurrar segredos e
palavras carinhosas: é disso que se gabam e vangloriam perante todos os
mortais”
Não deixa de ser significativo
que esta obra tenha emergido das margens da Literatura Moçambicana onde abundam
jovens com enorme potencial criativo, embora nem todos com este nível de
maturidade. E tudo isto no momento certo, acrescentaria eu para completar a
equação.
O tempo fará a necessária
filtragem, que não nos cabe definir enquanto protagonistas da mesma arte.
Para quem o conhece bem
certamente perceberá que há uma fusão permanente do autor enquanto poeta, do
país que o viu nascer e o retêm e do homem que nele habita! Por isso, claro e
conciso vai afirmando “Entristeço-me sempre que me revejo neste trapezista
solitário no circo cada vez mais vazio e assustador de onde só se aplaude os
malabaristas desenfreados da democracia”. Ouviram o poeta? Tê-lo-ão percebido?
A densidade das palavras não se
mede pela sua extensão. É o que é, não é?
Por isso o vate mais uma vez e
sem se deter acrescenta “De certo é belo o meu país mas deste modo custa-me
vê-lo com a magia que empresto ao meu olhar, e não se espante no dia que tão
cedo vier a bater-lhe a porta com uma carta de demissão nas mãos. Pois pensei,
erradamente, que o fogo da paz pudesse arder tão alto, em labaredas
laboriosamente trabalhadas sem faúlhas com falhas que nos pudessem prender à
prisão claustrofóbica da escuridão”.
Felizmente este poeta prova estar acordado numa “escuridão” sem luz que o
inspira!
Estranho? Nem por isso. Como
dizia o poeta Libanês KAHLIL GIBRAN : “O homem é dois homens; um está acordado
na escuridão, enquanto o outro dorme na luz”.
Lê-lo é rever a grande massa da
juventude inconformada e por vezes rebelde que sonha novos futuros sem deixar de navegar com a esperança como
bússola.
Por isso diz convicto “De palavra
em palavra se faz a minha lavra, expressa por entre os interstícios das
páginas, que tal como os da terra se moldam, e decifra-se a safra que em frases
se alonga, trespassados os ciclos ou as fases distintas, desde a veredicta
semente ao chão inscrita até ao desabrochar do futuro em que a esperança
acredita”.
É claro o navegar deste lavrador
de palavras num punhado de versos cristalinos, transparentes, com a pureza de
um mar despoluído e a maturidade de um velho imbondeiro guiado pelas sabedorias
antigas.
Embora afirme lamentoso “Fui um
errante certeiro nos arremessos que fiz”, dificilmente será um errante na arte
da escrita. Na verdade, como dizia GIBRAN “A vida é uma procissão” e muitas
luas nascerão, e por isso “ Possa Deus alimentar os superabundantes”!
Há um barco livre que habita os
Poetas. Só o verdadeiro amor pela arte o consegue apreender e captar.
Segundo RILKE : “...o criador tem
de ser um mundo só seu e tudo encontrar em si mesmo e na natureza a que se
uniu”.
É o caso deste Poeta que tudo
busca em si e no universo a que se uniu naturalmente, fundindo-se integralmente
nele. Como prova a sua reivindicação pensada, quando diz : “Quero um barco onde
eu seja veleiro dos meus próprios desejos, onde o remo e o mar se entrelacem
num passo rumando aos meus ensejos”.
Terminaria citando VIRGINIA WOOLF
que disse “As obras de arte são de uma solidão infinita e nada as pode abordar
pior que a crítica” e acrescentaria eu que “Por isso se torna difícil analisar
criticamente um autor e uma obra poética que respiram e transpiram magia pelos
poros, e que a fluidez da escrita o denunciam de forma singular”!
É esta a vitória dos poetas, é
esta a cruz, é esta a missão!!! E como acredito que a inteligência dos poetas e
escritores precisa de viver num mundo mais amplo do que aquele a que as
sociedades em que vivemos traçaram tão mesquinhos limites, só posso finalizar dizendo:
“ BAYETE POETA TARUMA”!
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de
Escritores Moçambicanos na Diáspora -CEMD )
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