domingo, 28 de setembro de 2014

“TCHANAZE, a donzela de SENA” de CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE



Uma obra em segunda edição (a primeira foi em 2009) que resgata a riqueza cultural ancestral africana e a aura de mistério que rodeiam as tradições e os mitos ancestrais africanos numa linha que deu continuidade mágica em “N´TSAI TCHASSASSA A VIRGEM DAS MISSANGAS”, o seu segundo magnífico romance de 2013 e depois do seu anterior, inicial e sereno navegar pela Poesia em “ GESTAÇÃO DO LUAR” em 1991.
O ressuscitamento e cruzamento ficcional de mitos, lendas, ritos e tradições ancestrais é a sua imagem de marca.
Estamos, portanto, perante um escritor Moçambicano e Africano de longo curso (porque nos oferece muitas possibilidades de leitura e releitura e, porque muito esperamos dele e da sua sagacidade, talento, engenho e da sua já consolidada maturidade na escrita).
A revalorização e convocação das tradições, dos ritos e dos mitos do grande ZAMBEZE será como que uma recuperação simbólica desse estado civilizacional anterior aos quase fatais golpes de força externos (colonização, aculturação e assimilação) e internos (independência, revolução, socialismo científico, monopartidarismo , pluripartidarismo, democracia, capitalismo e globalização), sua assumpção na escrita moçambicana em língua portuguesa que ganhou hegemonia, estrangulou-a, asfixiou-a, mas não a apagou nem apagará como prova este autor e esta obra e ainda outros autores como PAULINA CHIZIANE que a prefaciou ou UNGULANI BA KHA KOSSA que fazem abordagens ficcionais desconstrutivas, críticas e autocríticas das sociedades africanas ancestrais e actuais.
CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE resgata com profundidade os valores tradicionais, valores próprios das culturas de tradição oral de um passado que nunca esteve nem estará ausente de/ em África, convocando-os do passado para o presente rumo ao futuro.
Não se trata de regressar ao passado, mas de trabalhar a modernidade sem renegar o passado ou virar as costas ao rico e vasto património cultural tradicional ancestral que urge hoje mais do que nunca preservar e revalorizar em memória escrita, ainda que ficcionada. É essa a missão do escritor.
Ao trazer estas formas e o imaginário africano, moçambicano e bantu da tradição oral para a sua obra, CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE chama a atenção para todo o manancial e riqueza das culturas bantu moçambicanas mais profundas e enraizadas que já chegaram a ser rotuladas como meras superstições e puro exercício do obscurantismo, primeiro pelo colonialismo e depois pelos conturbados ventos da revolução moçambicana.
Nesta óptica, a recuperação dos valores ancestrais do mundo tradicional bantu, uma vez que é a rejeição clara de posturas exógenas, cumpre uma função histórica e pedagógica de um irreversível processo de desassimilação, de demarcação relativamente ao que é exterior e estranho à(s)  cultura(s)  genuinamente Moçambicana(s).
Podemos concluir dizendo convictos que a presença dos modelos de tradição oral neste autor é sabiamente orientada fundamentalmente por um espírito de afirmação claríssima da identidade cultural Moçambicana e da reafirmação inequívoca da identidade de uma literatura emergente e consolidada por um conjunto de autores variados de grande qualidade.
Por essa razão atrevemo-nos, pois, a afirmar que se quiserem conhecer as entranhas do MOÇAMBIQUE profundo, na misteriosa e labiríntica região do grande ZAMBEZE, mergulhem na aventura desta obra ficcional que este autor generosamente nos oferece.
Segundo o ilustre académico Moçambicano Lourenço do Rosário «As narrativas de tradição “oral” africana têm uma forte componente didáctico – moralizante», isto reflecte-se aqui na sua estruturação magistralmente construída, porque nos ensina que no MOÇAMBIQUE profundo por vezes oculto os vivos e os mortos, o visível e o invisível se entrelaçam na roda do mundo em que vivemos e por onde caminhamos na eterna dança do quotidiano ao som dos passos do batuque e que há saberes propositadamente ocultos ou adormecidos que devem ver a luz do dia. Por outro lado, não nos esqueçamos que foi indubitavelmente com o mito que a história humana sempre e em toda a parte começou; foi através do mito que os vocábulos, os símbolos originários tomaram a sua primeira forma e cada era nova da história os redescobriu à sua maneira. Ora, como se sabe o processo cultural de onde a literatura de MOÇAMBIQUE emerge tem grande parte das suas raízes mergulhadas no mito, vivificado no quotidiano e presente na visão religiosa ou animista “africana” e religadora do homem à terra e ao transcendente.
Bayete pois para o Escritor CARLOS PARADONA RUFINO ROQUE.



DELMAR MAIA GONÇALVES

(ESCRITOR e PRESIDENTE DO CÍRCULO DE ESCRITORES MOÇAMBICANOS NA DIÁSPORA – CEMD)

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