terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tu és...

Tu és
a bússola que
indica a minha luz
Tu és
meu único sentido
e rumo
Tu és
minha razão de
ser e estar.

Que dizer de
uma bússola sem Norte?
Que dizer do
Sul sem bússola?
Que dizer de alguém
sem rumo?
Que dizer de alguém
sem razão de ser e estar?

Delmar Maia Gonçalves
Parede, 6 de Julho de 2008.
“A paz é de todos ou não é de ninguém”
João Paulo II

Ser nobre é uma virtude
“Et errare humanum est”


Embora se tenha alcançado o essencial para Moçambique: a paz em todo o território nacional, e esta esteja a ser consolidada. Não seria todavia negativo, antes pelo contrário muito nobre que o governo moçambicano, o partido FRELIMO e o partido RENAMO (M.N.R.) pedissem desculpas e perdão a todo o povo moçambicano pelos dezoito anos de excessos, (violações do direitos humanos, vinganças pessoais, erros graves na governação do país, muitos abusos de poder e massacres em várias povoações na guerra civil de parte a parte. Esta atitude cairia bem nos gravemente lesados cidadãos moçambicanos ou estrangeiros residentes no país ou daqueles que abandonaram o mesmo pelas razões apontadas.
De resto, o governo sul-africano nosso vizinho soube ser inteligente quando formou a Comissão da Verdade e admitiu através do African National Congress ( A. N. C. ) liderado pelo “Madiba” e grande Soba Nelson Mandela, pelos excessos por si cometidos ou por outra, pelos seus guerrilheiros e membros. Hoje até os Boers alinham um pouco pelo mesmo diapasão, embora de forma mais tímida e envergonhada, e também por isso menos inteligente.
Nós sabemos que a governação da República de Moçambique pelo menos até à assinatura do histórico Acordo de Roma “a cidade eterna”, não terá sido só um poço de virtudes antes pelo contrário, foi um acumular de erros sucessivos que se veio a agravar com a guerra civil e a desestabilização Rodesiana e Sul-Africana.
É claro que houve mudanças positivas, muitas coisas positivas aconteceram, mas estiveram longe de satisfazer por completo os moçambicanos, a prova foram os dezoito anos da traumática guerra civil com as suas avalanches de mortes, desaparecimentos, órfãos, viúvas, massacres, mutilados, deficientes, fome, miséria, desinvestimento, falta de quadros e um sem número de traumatizados de guerra.
O povo moçambicano não foi, nem é rancoroso! É pacífico! Mas merece certamente mais atenção, consideração e respeito. E é bom que haja da parte dos políticos moçambicanos de todos os quadrantes sempre consciência dos erros cometidos e coragem para admiti-los e dos defeitos, não só das sagradas virtudes! Virtudes todos nós temos, mas também defeitos por mais pequenos que sejam.
E para bom entendedor meia palavra basta!


Delmar Maia Gonçalves
In “Africamente”
Parede

O que nos impele
a sermos quem somos,
sendo múltiplas vezes
o que não somos?


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 23 de Agosto de 2009.


Ilustração:
"Mestiço"
De Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Lisboa, 2006.

TOMBA-TOMBA OURIÇO-CACHEIRO

Para Luna Delmar


Tomba
o Ouriço
que é Cacheiro
Tomba
o Cacheiro
que é Ouriço
e ganham
a viagem e o sonho
os meninos e meninas
amigos do Ouriço
que é Cacheiro!

Delmar Maia Gonçalves
Parede/Lisboa, 1997.

Ilustração:
"Teoria das Multidões"
De Fernando Grade
(Poeta, Escritor, Crítico de Arte e Artista Plástico)

domingo, 23 de agosto de 2009

Mulher IX

Basta um olhar
para te sentir.
Basta um sorriso
para te compreender.


Delmar Maia Gonçalves
Parede, 19 de Fevereiro de 2001

Femme IX

Il suffit d'un regard
pour te sentir
Il suffit d'un sourir
Pour te comprendre.


Delmar Maia Gonçalves
Parede, 19 de Fevereiro de 2001.

sábado, 22 de agosto de 2009

A Propósito da Poiesis

Ao ser convidado para escrever o prefácio/reflexão da Poiesis, pensei em poesia.
A poesia é algo que retrata o complexo e dinâmico equilíbrio instável entre a ordem e o caos, tentando assim interpretar o real, na sua forma mais sensível, o que por si só se torna complexo.
Todos os pontos tentam expressar tudo isto além de alcançar a “expressão de si próprio” com mais ou menos simplicidade e mais ou menos hermetismo.
A linguagem poética é de longe, a linguagem humana mais perfeita, mais original e rara. Como dizia Octávio Paz, “se os líderes lessem poesia, seriam mais sábios”. Acontece que não o fazem.
Poiesis é poesia pura, é paixão, é sabedoria sem sistema, contrariando o gigantesco sistema literário vigente que se mostra fechado, triste, inócuo e pouco profícuo.
Como dizia o genial Tom Peters, a propósito do complexo fenómeno educativo “ou há paixão sem sistema ou sistema sem paixão. É preciso ter as duas coisas.”
Na poesia é assim, ou há paixão ou ela não existe.
A grande diversidade de textos poéticos (em prosa e poesia) apresentados neste projecto, é o garante da sua originalidade e da extrema riqueza que constituí a obra.
Esta obra não é apenas mais um espaço de divulgação poética e para-poética, é um espaço aberto com dimensão cultural alargada e única. É a lusofonia em ebulição, verdadeira, concreta, que nem os políticos são capazes de construir e muito menos de destruir porque dá um sentido profundo aos processos criativos na Língua Portuguesa, língua mãe em tantos e tão diversos espaços criativos.
É um espaço que não é hesitante, pelo contrário é futurista, pluricultural, “intercultural e multicultural” por excelência.
Acredito que a despeito da diversidade e multiplicidade do fenómeno literário, é possível construir-se uma poética universal ou um discurso homogéneo, situando-se a literatura numa espécie de zona incontaminada das ideologias , conferindo-se-lhe um prestígio especial e isolando-a de todas outras formas de discurso.
Nesta perspectiva, discutir o cânone significa questionar um sistema de valores instituído por grupos detentores de algum poder cultural, que legitimaram um repertório, com um discurso, por vezes, classificado de globalizante; esta questão prende-se com a exclusão de uma significativa produção literária vigorosa, oriunda de grupos minoritários nos centros hegemónicos, e da desclassificação ou inclassificação de uma crescente e significativa, produção literária.
Que continue pois a poesia a florescer, surgindo e ressurgindo, nascendo e renascendo, crescendo e amadurecendo! É bom para a literatura universal.


Delmar Maia Gonçalves
Parede/Wimbledon/Londres, 25/28 de Agosto de 2006

Moçambique, minha Pátria, minha Mátria


Vim de uma grande e longínqua casa
onde vivi minha infância
e cresci
Onde brinquei
e fui feliz

Tinha donos e servidores.
Mas os donos
não eram donos!
Os verdadeiros donos eram
os servidores.

Havia total domínio dos donos
sobre os servidores
Mas havia também uma revolta silenciosa
nos servidores

Por vezes haviam reclamações dos servidores
aos “donos”
Soava então, o chicote.
Os servidores acatavam as ordens
dos “donos”

Um dia de madrugada
um galo cantou e nasceu o sol com
a revolução
E os servidores passaram a senhores
e os “donos” a nada

Alguns “donos” fugiram,
outros ficaram a trabalhar em igualdade
com os servidores.

Os campos tornaram-se férteis
A prosperidade estava no horizonte,
Já se cantava a esperança.

Até que um dia
chegou uma praga
de “ratos”
Eram a morte!
Roeram tudo.

Apesar das dificuldades
a esperança de melhores dias
Não morreu
E ainda hoje se
canta a esperança.

Delmar Maia Gonçalves
Parede, 04 de Março de 1986

Ilustração:
"Ouvindo melodias em noites melancólicas"
De Roberto Chichorro
(Artista Plástico Moçambicano)
Lisboa, 2002.
Lisboa,



Forever to be a child


Forever I wished
To be a child
I wished
To be Free as a bird
Pure as a flower
I wished to play
To run
To jump
To smile
Always to smile
And forever to be a child.

Delmar Maia Gonçalves
Quelimane, 11 de Agosto de 1984

Ilustração:
De David Levy Lima
(Artista Plástico de Cabo-Verde)
Lisboa, 2006

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Matusse na Sala de Aula

“Sê paciente na adversidade e constante na prece”
Romanos 12:12


MATUSSE NA SALA DE AULA

Matusse era uma criança negra moçambicana com seis aninhos. Tinha uns enormes olhos castanhos e era diferente de todas as outras. Muito atento, educado e respeitador, estudava na segunda classe do ensino primário, na Escola Primária de Sinacura em Quelimane e parecia entender tudo o que a Professora Irmã Ester dizia, por isso é que quando o interpelava, ele respondia prontamente.
Ah, mas a sua principal virtude na sala, era a de respeitar todos os colegas e os seus haveres, embora modestamente não exigisse nunca o mesmo dos outros.
O tempo passava, no entanto, qualquer coisa de grave se passava com ele ultimamente, o seu silêncio denunciava algo estranho, muito estranho!
Em certas alturas, isso era mais do que evidente. É que ele adormecia agarrado aos livros e cadernos, habituado que estava aos roubos frequentes no seu bairro na Missão de Coalane, nos chamados subúrbios de Quelimane. Algo perfeitamente anormal.
Mas porque estaria o Matusse tão triste? Porque adormeceria ele em plena aula?
Castiano, um seu amigo muito próximo, confidenciara-me que Matusse saía de casa de manhã sem tomar o pequeno almoço e não levava consigo nunca uns míseros trocados para comprar uma patanicua. É que ele adorava patanicuas! Mas nem para isso ele tinha dinheiro.
Por vezes a velha Vitória, a que vendia as patanicuas, com muita pena lhe dava apenas uma. E com muita pena mesmo, pois, por um lado, sempre lhe eram úteis uns trocados e por outro tinha muita afeição por Matusse. E tinha tão bom coração aquela velha!...
Mas à tarde o Matusse voltava novamente à escola sem almoçar. É que a sua mãe trabalhava e almoçava no local de trabalho (na fábrica de cervejas, como empregada de limpeza), e o seu pai desempregado, era um alcoólico degenerado. E o dinheiro das esmolas que se destinava ao almoço acabava sempre na taberna do Sô Reis no velho bairro popular.
E até ao final do ano lectivo, o quotidiano do Matusse era sempre o mesmo. Não tomava o pequeno-almoço, adormecia na aula porque não almoçava. Seus pais não o entendiam, nem tinham tempo para ele, a professora andava demasiado ocupada com todos para pensar unicamente no caso deste bom aluno que adormecia em plenas aulas.
E o resultado disto foi o chumbo surpreendente daquele que poderia ter sido o melhor aluno da turma, mas que não tivera a estrela da sorte do seu lado, nem os Deuses.

Delmar Maia Gonçalves
Olivais/Lisboa, 25 de Junho de 1995.

Glossário:
Patanicua -
doce de açúcar com coco ou farinha.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mulher XV


Teus olhos
um íman inevitável.
Teus lábios
um chamamento inigmático.
Teu corpo
um convite vedado.
Tua vida
um mundo de paixões.

Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 1997.

Ilustração:
"Mulher XV"
Alexandra
(Artista Plástica)
Lisboa, 2001.

Lírio do Campo


Percorri-te
de Norte a Sul
Amei-te
desesperadamente
perdidamente
apaixonadamente.
Li-te poemas
de Neruda.
Amplexos ardentes
nos envolveram.
Terá sido
amor ou paixão?
Ao percorrer-te as ilhas
dos seios,
pensei nos dois.
Amei-te loucamente
Desejei-te permanentemente,
folgadamente
Não fora
a tempestade maternal
e teria criado
raizes em ti.

Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 19 de Março de 1996.

Ilustração:
"Mulher XVIII"
De Alexandra
(Artista Plástica)
Lisboa, 2001.

Mulher XXIX


De comum
tinham apenas
meu desamor,
e a paixão
que por mim
nutriam.
Com ambas
partilhei
cumplicidades.
Fica a mágoa
de termos
sido egoístas.
Queria amor
deram-me paixão.
Queriam amor
Dei-lhes desamor.


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 12 de Outubro de 2001.


Ilustração:
"Mulher XXIX"
Alexandra
(Artista Plástica)
Lisboa, 2001.

Voltarei

Aos povos do Uganda, Serra Leoa, Libéria, Cabinda, Palestina, Sahara Ocidental e Tibete.

Tu uma pérola no Índico
E eu
Um viandante
Encalhado no atlântico

Estou longe
Muito longe
Atravessei mares e oceanos
Escalei montanhas e planaltos
Percorri florestas e desertos

A marcha foi longa
Mas tem retrocesso

Um dia descobrirás
O atlântico já descobriu
E vai devolver-me.

Voltarei
Partiremos então
Em viagem nupcial
Que vem de longe com o tempo
E iremos à Zalala
Numa simbiose ímpar.

Como sempre:
Eu sou tu, tu és eu
Não te esqueças
Moçambique
Voltarei!

Delmar Maia Gonçalves
Parede, 05 de Julho de 1995.


Glossário:
Zalala –
Praia que fica nos arredores de Quelimane.

Ilustração:
"Voltarei"
De Fabio Inglese
(Artista Plástico Italiano)
Lisboa, 2007.

Deixem-me Sonhar


Deixem-me sonhar
Um sonho que não me pertence
Deixem-me sonhar
um sonho que seja para
além do sonho
Deixem-me sonhar
um sonho em que as utopias humanizantes
se tornam realidade
e os pesadelos desumanizantes
se tornam utopia.
Deixem-me sonhar
um sonho em que a paz
entre os homens seja encontrada
muito para além das palavras e selos.

Delmar Maia Gonçalves
Sintra/Parede, 25 de Maio de 2003.

Ilustração:
"Deixem-me Sonhar"
De Cristina Araújo
(Artista Plástica e Professora de Educação Visual e Tecnológica)
Lisboa, Setembro de 2008.


Criança, Mulher e Filha

Para Luna Delmar

Queria contar-te
o quanto este mundo é belo.
Queria contar-te
quanta alegria trazem as crianças
que nascem um pouco por todo o lado.
Queria contar-te
que apesar das dificuldades da vida
haverá sempre uma saída razoável,
aceitável, possível.

Queria expressar-te
todo o amor que sinto por ti
Queria expressar-te
todas as alegrias que tive na vida.

Queria falar-te
das minhas apreensões e medos
Queria falar-te
das armadilhas que o mundo tece.

Queria falar-te
das ilusões que nos transmitem
diariamente
Queria falar-te
das riquezas provenientes
da diferença.
Queria falar-te
da beleza da fantasia.
Queria falar-te
da pureza da natureza
e da sua vitalidade.
Queria falar-te
de Moçambique, minha pátria amada.
Queria falar-te
das virtudes da paz
e dos horrores da guerra.
Queria falar-te,
por fim, da inevitabilidade
da morte.

Delmar Maia Gonçalves
São Domingos de Rana, 7 de Abril de 1999.

Ilustração:
"Para Luna Delmar..."
De Vera Novo Fornelos
(Poetisa e Artista Plástica)
Viana do Castelo, 2007.

Queria que o meu país...


Eu queria que o meu país
fosse feito de alegria
Queria que no meu país
não houvesse ódio
Queria que o meu país
não conhecese a guerra
só amor em abundância
amor e muita criança.
Mas com a barriga cheia!
Queria que o meu país
fosse um país sem tristezas
um país sem agressão
e que houvesse sempre pão.
Queria ver o meu país
Como um enorme jardim sem igual
cheio de Acácias,
Buganvílias e Cravos.

Delmar Maia Gonçalves
Quelimane, 4 de Abril de 1984.

Ilustração:
De Roberto Chichorro
(Artista Plástico Moçambicano)
Lisboa, 2002.

Singularidade Africana


Quando carrego no “d”
Alguns doutos ignorantes
Riem-se da inovação
Quando mastigo um “r”
Lá vem a correcção dos
Supostos eruditos
Quando me pronuncio
Moçambicanamente
Alguém expressa
Um sorriso estridente
Quase incontínuo
Deixem-me dar o grito
Que não é do Ipiranga
Mas que o é.
- Caramba!
Escrevo o país de mim
Falo o povo de mim
Falo o espaço que é meu
Canto o canto que é meu.

Ninguém compreende
Minha singularidade
Talvez Camões
Compreendesse
E eu danço nela.
Delmar Maia Gonçalves
Parede/Lisboa, 25 de Agosto de 1993.

Ilustração:
"Singularidade Africana"
De Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Lisboa, 2006.

Tabuleiro de Xadrez


Sou o que sou, não o nego,
para os negros sou mulato
ou misto
Para os brancos sou preto ou mulato
E eu sou igual a mim próprio
e resultado do famigerado
jogo de xadrez
de quadrados pretos e brancos,
numa simbiose ímpar.
Sim, sou só comparável
ao tabuleiro de xadrez
de Tenreiro
Enquanto dois intervenientes
disputam um argumento,
eu abstenho-me
calado.

Delmar Maia Gonçalves
Maputo/Parede, 2 de Fevereiro de 1985.


Ilustração:
"Tabuleiro de Xadrez"
De Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Lisboa, 2006.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Rei de Kanem Borno as Sete Esposas

Quando um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe é favorável”.
Séneca

O REI DE KANEM BORNO E AS SETE ESPOSAS
Era uma vez, no longínquo reino africano de Kanem Borno – junto da actual Nigéria moderna (em 1067 o historiador Espano-Árabe El Bekir descreveu a extensão deste território como indo do Lago Chade até ao rio Níger a oeste; Kanem dominava toda a rota comercial do leste através do deserto do Sahara quase até aos arredores de Tripoli bem como a região Wadai até à parte superior do Nilo além da sua sede na área do lago Chade) – governado por um sábio, poderoso e generoso rei, Mai Dunama Dabalemi, que tinha sete esposas. Seis eram nobres africanas e uma, a sétima, nobre asiática que lhe tinha sido oferecida pelo grande sultão industânico Sultan Singh Rai, que visitara o reino acompanhado da sua esposa, para incrementar as trocas comerciais e as relações diplomáticas e de amizade.
O rei dedicava um dia a cada uma das suas belas esposas.
Todas tinham tratamento igual; não havia ciúmes ou inveja entre elas. Até que, um dia, o rei reuniu com o Conselho dos Anciãos e este deliberou que se devia nomear uma rainha das rainhas entre as suas sete esposas.
A ambição surgiu como um primeiro sinal de mudança de atitude nas esposas do rei. Todas queriam ser nomeadas rainha das rainhas com excepção da asiática, que dizia nunca ter ambicionado a tanto, pois era uma estrangeira.
Mas o destino dela estava traçado e era precisamente favorável à sua nomeação como rainha das rainhas. O povo também a amava por possuir bom coração.
Decidiu o rei e o conselho de anciãos aprovou. Tornou-se rainha das rainhas.
O rei ficou muito feliz, pois achava a sua sétima esposa bela, simples e muito leal. Tal não sucedia relativamente às outras que embora belas tornaram-se caprichosas.
Começaram então os problemas para o rei e para este reino de tranquilidade.
As seis belas esposas descontentes elaboraram um maquiavélico plano que visava a morte da rainha. Na verdade, tratava-se de uma conspiração que tinha o apoio de alguns elementos influentes na corte central.
Informado pelos seus leais espiões e súbditos, o rei apercebeu-se da conspiração e mandou cortar as cabeças das suas seis esposas, juntamente com as dos seus conselheiros acusados de traição, tendo optado por ficar definitivamente com uma esposa apenas, a rainha.
Segundo ele, ter mais do que uma esposa só trazia disputas, problemas e conflitos, e nunca a paz de que todos necessitamos. Paz com Deus, com os outros, com a vida, com o mundo e connosco próprios.
Finalmente, o rei reuniu com o Conselho dos Anciãos e decidiu que ninguém do reino poderia ser polígamo, isto é, ter mais do que uma esposa, decisão apoiada e votada por maioria consensual.
O rei e a rainha viveram juntos e felizes para sempre. Ele generoso, justo, magno, poderoso e sábio como sempre e ela, bela, bondosa, leal, e simples.

Delmar Maia Gonçalves

(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Parede, 10 de Junho de 1988.


Glossário:
Kanem Borno – Um antigo reino africano da Nigéria.
Mai Dunama Dabalemi - Antigo rei do Kanem Borno.

Ilustração:
"O Rei de Kanem Borno e as sete esposas"
De João de Barros
(Artista Plástico e Arquitecto Guineense)
Lisboa, 2008.


Malfez Razão

“Se podemos sonhar, também podemos tornar os nossos sonhos realidade.”
Walt Disney

Malfez Razão
O menino africano que queria ser génio
Era uma vez um menino Moçambicano, de nome Malfez Razão dos Santos, nascido nos arredores de Quelimane, que queria ser génio. Não, não era europeu, nem era branco (condição número um para ser considerado como tal na Europa, nem tinha grandes padrinhos brancos, era negro mas queria ser como Einstein, Cervantes, Camões, Mozart, Platão ou Sócrates. Era apenas mais um jovem ambicioso, mas africano!
Quando lhe perguntavam “Quando fores grande o que queres ser?”, ele dizia de pronto: “- Quero ser um génio, um cientista! No meu país já há maningues políticos e militares!”
Na verdade, nisso até tinha razão; por vezes na vida há coisas que pecam por excesso. E no nosso país não é excepção!
Mal o menino atingiu a maioridade, mamã Vitória mandou-o para a Europa, onde foi estudar com uma bolsa de estudo da Igreja Católica, conseguida com muitos sacrifícios, isto é, com muito suor e com uma boa “cunha”!
Chegado a Paris, cidade das luzes, descobriu que havia tudo menos vagas para génios. Quanto às luzes, nem vê-las! Era apenas uma metáfora!
Mas decidiu não desiludir mamã Vitória, que dizia com muito orgulho na terra: “- Meu filhinho foi estudar mesmo na Europa para ser gente importante como os políticos igual a Mandela ou o grande Poeta Craveirinha!”
No mundo ocidental há tanta promiscuidade, tantas tentações, tanta atraente ostentação, que tornam o homem um ser frágil, inconstante, inseguro, indefeso e vulnerável o que dificulta o propósito de alguém que quer ser génio ou que já é genial. Com a agravante de haverem também os jogos de interesses , o preconceito, o “racismo” e a “xenofobia”, isto é, funciona em geral segundo a lógica da exclusão.
Malfez Razão, que ganhou uma bolsa de estudos que servia para cinco anos, (graças à mamã Vitória!), o suficiente para iniciar e terminar um curso superior, decidiu ficar, mesmo que fosse só para não desiludir mamã Vitória, pensando sempre para consigo: “- Chiçá, não volto agora para o meu país, lá há maningues políticos, pobreza e miséria, e mamã Vitória ficaria triste comigo!”
Depois de sete anos na Europa, regressou à terra, não como génio, mas como um bêbedo inveterado, daqueles que não fazem falta em lado nenhum. Mas mamã Vitória, já mais velhinha mas sempre sábia, subtil e bondosa, ia dizendo às amigas no seu jeito maroto:”- Coitado do meu filhinho; é capaz estudou tanto que ficou doido! Mas é capaz parece os génio são todos maluco completamente, não é?”
E assim viveu mamã Vitória até ao último suspiro, com um filho alcoólico (eterno candidato a génio!) e a sua eterna verdade da mentira.


Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Parede, 5 de Janeiro de 1996.

Glossário:
Maningue - muito
Maningues – muitos
Craveirinha – José Craveirinha, poeta e escritor moçambicano.
Mandela – Nelson Mandela, primeiro presidente negro da República da África do Sul.

Ilustração:
"Malfez Razão"
De Fabio Inglese
(Artista Plástico Italiano)
Lisboa, 2007.


Recado aos Senhores Doutores

“A cega ignorância é que nos engana. Ó míseros mortais, abri os olhos!”
Leonardo Da Vinci

RECADO AOS SENHORES DOUTORES
Por vezes « a montanha acaba por parir um rato », diz um velho ditado.
Em tempos, ouvi com atenção meu avô dizer « mais vale prevenir do que remediar » e « mais vale andar devagar e bem, do que depressa e mal ». E, de facto, tinha razão!
Embora respeite as pessoas por aquilo que são, e não por aquilo que aparentam ser, não me apraz nada registar que não há regra sem excepção, isto é, pela negativa há pessoas que são o que são, mas também aparentam ser aquilo que são!
O certo é que quando afirmamos “para ser verdadeiro..., em pura verdade...”, as mais das vezes estamos a ser falsos; quando insistimos que“ nada temos contra os negros, nada temos contra os árabes muçulmanos” é porque somos demasiado pelos cristãos, é porque somos demasiado pelos brancos; e quando passeamos pelas ruas e pelos media a pancarta de doutor, é porque de doutor nos sobra o nome.
Para bom entendedor meia palavra basta. Não é o título académico de «doutor» que nos fará deixar de ser modestos e humildes nem são os cargos oficiais que nos tornarão egocêntricos, snobs e nos farão olhar para os «outros» de alto a baixo, que o céu até tem dono!! Ou não será?
Na verdade, até nos dava muito prazer juntarmo-nos aos não académicos, em suma, ao povo iletrado, para lhes mostrarmos o caminho que nos parece mais acertado! Seria mais nobre e, para além disso, só ficaríamos a ganhar; mesmo que fosse só em simpatia e generosidade!
Os cargos oficiais são temporários, não são vitalícios. O povo, esse sim, é eterno ou pelo menos, eterniza-se para além da vida!
É preciso que reflictam na importância que tem o nome que nos é atribuído. Já pensaram no significado e no valor que cada nome encerra, senhores “doutores”? Já pensaram que antes de sermos «doutores» já tínhamos um nome? Já éramos aquilo que somos? Sabiam que esses nomes nos remetem para as nossas origens?
Valerá a pena ignorar as nossas origens, a formação humana, as relações humanas em nome da formação académica, ou de um cargo oficial? Em nome da dominação vale a pena mudar o mundo?
O modo de pensar ocidental tem sido massivamente impregnado e perversamente estruturado pela lógica do “terceiro excluído”. Dito por palavras mais concretas, pela “lógica da disjunção”, e da exclusão. Quer dizer, ou se é verdadeiro ou se é falso; ou se é “preto” ou se é “branco”; ou se é bom ou se é mau; ou se é homem ou se é mulher; ou se é doutor ou não se é.
“Ser ou não ser”, estigmatizava-nos sempre e eternamente Shakespeare. Estigma de mais de trezentos anos, repisando a marca disjuntiva de Aristóteles. Acontece, no entanto, que a vida não funciona segundo a lógica da exclusão. Nem a vida, nem nós, nem os mais simples cidadãos deste mundo, nem por sinal os nossos “eternos” e enigmáticos políticos.
Sou demasiado pequeno para isso, demasiado cobarde para tamanha façanha, sou mesmo um fraco, mas senhores doutores, na verdade, não me pude conter e, vai daí, aquele desabafo. Quero que tenham em atenção todo este tempo em que permaneci calado, muito calado! Chega! Basta! Acredito na liberdade!

Enfie pois, a carapuça quem quiser!
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Parede, 04 de Agosto de 1999.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Mataram Bafo de Bode

“O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade”.
Einstein
MATARAM O BAFO DE BODE

Chamava-se Bafo de Bode? Não. Mas era assim que eu via, olhava, pensava, imaginava e chamava aquele homem, aquele velho personagem, aquele cidadão ao mesmo tempo conhecido e anónimo, talvez inocente, talvez culpado.
Mataram-no. Não sei se justa ou injustamente, não sei como nem porquê. Haverão mortes justas? Tenho dúvidas!
Os homens são assim, ou amam ou odeiam, nunca são indiferentes!
Mataram um homem que sendo pobre não mendigava e no entanto incomodava.
Era incómodo porque espelhava aquilo que não queríamos ser, espalhava aquilo que não queríamos ver era o rosto da nossa vergonha, era a prova do nosso egoísmo, da nossa indiferença, da nossa culpa, dos nossos valores vigentes, das nossas ambições, dos nossos receios, das nossas sociedades, dos nossos modelos de sociedades.
Deambulava pelas tabernas de Matarraque, Madorna, Penedo, Murtal e Parede (nos arredores da grande Lisboa), por vezes de madrugada, outras vezes à noite. Era um filho da noite!
E como ele, existem muitos em Lisboa, Maputo, Nova Deli, São Paulo, Camberra ou Nova Iorque.
As pessoas encaravam-no com alguma indiferença, havia nos olhares uma certa repulsa e porque o egoísmo sempre se sobrepôs à razão, ele multiplicou o seu bafum até ao último suspiro.
Foi encontrado morto na madrugada de dezassete de Novembro. Que erro fatídico terá cometido ele?
O dedo acusador dirige-se a nós, homens, aos nossos valore vigentess e ideais e às nossas sociedades profundamente competitivas, consumistas, egoístas e materialistas.
E enquanto bafos de bodes continuarem a nascer, morrer ou ser mortos, a nossa consciência não nos perdoará.
Chegou a hora de reflectirmos seriamente acerca de quantos bafos de bode haverá por esse mundo fora e sobretudo sobre os porquês desse facto.


Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Madorna/Parede, 24 de Abril de 1993.

Vozes

Vozes ancestrais

me murmuram.

Com que propósitos

me murmuram?

Vozes ancestrais

me segredam.

Com que intenções

me segredam?

Vozes de silêncio

Se lamentam

Porque razões

se lamentam?


Delmar Maia Gonçalves

Lisboa/Carnide, 5 de Maio de 2006.

Glossário para um Povo e uma Pátria

Ao Amigo João Dias,

Inteligência - Sabem ser humildes quando devem sê-lo sem perderem a dignidade.
Paciência - Virtude magnânima sempre presente em todos os momentos da história Maubere.
Prudência - A história ensinou-os a verem para crerem e da experiência se fez vida.
Firmeza - A atitude permanente na defesa de princípios.
Grandeza - Resultante de tanta inteligência, paciência e prudência.
Nobreza - Eterno estado de espírito do povo Maubere.
Resistência - Resistiram a tudo e todos como povo e nação.
Riqueza - O poder da resistência da Cultura contra o invasor que fez deste povo aquilo que é e será: Pátria chamada Timor Lorosae.


Delmar Maia Gonçalves
Parede, 8 de Outubro de 1999.

Magister Picasso

O teu Ego

Foi o derradeiro sepulcro

Das tuas paixões

A ideia da perfeição absoluta

Nunca te olvidou

Perseguiu-te

Obcecou-te!

E construíste um castelo de areia

Pejado de paletes, telas, tintas

E obsessões

Próprio dos magnos

Que conscientes da efemeridade

Que olham ao espelho

E se confundem.

Não só precisavas

De bajulação alheia

Mas também de auto-bajulamento

“Uma atitude menor”!

Precisavas de pintar

Pedra em vez de corpo

Precisavas de tempo

Para aprender

Existiria a palavra humildade

No teu vocabulário?

Magister já eras!

À espécie humana sobra a tua arte

A ti a imortalidade!


Delmar Maia Gonçalves

Ponte de Lima, 02 de Maio de 2008.

Ilustração:
"Magister Picasso"
De Vera Novo Fornelos
(Poetisa e Artista Plástica)
Viana do Castelo, Setembro de 2008

Náufrago Africano


Sou um náufrago
Em busca
De um porto seguro.

Delmar Maia Gonçalves
Parede, 1 de Maio de 2005.


Ilustração: "Náufrago Africano"
De Fernando Oliveira
(Professor de História e Artista Plástico)
Maio de 2008.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Portugal corre o risco de deixar de falar português para passar a falar estrangeiro. Sic! E os portugueses, em vez de se preocuparem com a substituição do português pelo inglês em Moçambique, deveriam preocupar-se com o português em Portugal.


Delmar Maia Gonçalves
In Jornal "Público", em 28 de Fevereiro de 1996.
In Revista "África Hoje", em Março de 1996.
Os abutres de mau agoiro são os parentes voadores mais próximos das quizumbas.


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa/Laranjeiras, 25 de Junho de 2009.
Quando algo vai realmente mal, lá estão os insaciáveis abutres devorando o último naco de carne.


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa/Laranjeiras, 25 de Junho de 2009.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O meu avô Dalas e o Sporting

Chamava-se Dalas era moçambicano, respirava futebol e vivia intensamente o Sporting Clube de Portugal na longínqua e pacata cidade nortenha moçambicana de Quelimane, na Zambézia. Perto dele ninguém se atrevia a dizer mal do Sporting. Ele próprio era o Sporting, com o seu português refinadíssimo, pura poesia!
Era um “espectáculo” dentro do espectáculo.
Dalas significa na língua local chuabo “fome”, e quanto ao “s” parecia sempre sugerir Sporting, uma feliz junção, que dava qualquer coisa como fome de Sporting latinamente falando.
Para ele, todos os bons jogadores deveriam jogar no Sporting Clube de Quelimane. E julgo que tinha razão! Era uma fábrica de talentos!
O ex-Sporting clube de Quelimane tinha então ganho o último título provincial em 1979, com uma equipa de sonho: Chico, Caetano, Camilo, Cadango, Banda, Zé Manel, Gastão, Pélé, Faruk, João Onofre, Lobo; e como suplentes: Cassimo, Jarres, Sérgio, Carrasco, Jaime, Moreira,Pela e Cheta; orientada pelo Professor José Geneto. No ano seguinte foi a razia completa, uns foram cumprir o serviço militar, outros foram reforçar outras equipas mais poderosas. Depois, foram longos anos de jejum e um crónico lugar de vice-campeão atrás do excelente e irreverente Clube Cessel do Luabo; em 1980 venceu já com uma nova designação de “Palmeiras” (coisas da revolução!) a Taça Disciplina do Campeonato Nacional, com a proeza de nenhum jogador seu ter apanhado cartões. No entanto, isso não impediu que o clube acabasse a competição sem pontuar, na última posição, proeza que viria de resto a repetir em 1981.
Já em 1985, venceu o campeonato provincial justamente, imagine-se na secretaria da Associação Provincial de Futebol da Zambézia, em face de um empate 2-2 em casa, no Campo 7 de Abril, e uma derrota 0-1 fora, na finalíssima com o Desportivo de Mocuba. Houve alegria mas não tanta, foi uma vitória amarga.
A justificação para a atribuição do título ao Palmeiras, foi uma suposta má inscrição no Desporto de Mocuba de um ex. jogador do Palmeiras que alinhou nos dois jogos da finalíssima pelos Mocubenses e que não estaria desvinculado do Clube Verde e Amarelo, por não possuir a carta desobriga.
Passaram-se entretanto seis longos anos de jejum para o Palmeiras, para desgosto do avô Dalas. Em 1991 o Clube voltou a vencer o campeonato provincial, desta vez no campo e o velho Dalas que já andava doente, acabou por sucumbir.
Ficou mais pobre o futebol zambeziano sem esta figura peculiar.
Morreu doente, mas terá morrido decerto descansado, pois o seu Palmeiras, aliás Sporting (juridicamente nunca deixou de o ser) venceu, tornou-se campeão e avô Dalas imortalizou-se. Merecia uma estátua aquele soba!
Entretanto, o Palmeiras, voltou a chamar-se oficialmente Sporting Clube de Quelimane, a partir de 1994, um velho sonho do avô Dalas e o Sporting Clube de Portugal venceu a Taça de Portugal de 1994/1995. De resto não sei se a sua alegria foi total ou apenas parcial. É que o Sporting Clube de Portugal, o seu Sporting- Mor foi adiando as suas promessas de vitória nos sucessivos campeonatos portugueses.
Finalmente em 1999/2000 o Sporting Clube de Portugal venceu o Campeonato de Portugal quebrando o longo jejum de títulos. Houve muita festa e o avô Dalas certamente rejubilou de alegria.
Era o meu avô Dalas (uma grande figura do futebol Zambeziano) e eu ainda não o esqueci.
Siavuma pois avô!


Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Madorna, 5 de Julho de 1994.

Princesa Pemba, a filha do grande Soba Li-U-Thab

PRINCESA PEMBA, A FILHA DO GRANDE SOBA LI-U-THAB

Conta a lenda de uma pequena mas pujante tribo da África Oriental, junto da actual costa Moçambicana, o seguinte sobre a princesa Pemba:
Pemba era o nome de uma gentil e formosa filha do grande Soba Li-U-Thab, educado em Medina, na Arábia Saudita. Este era um Soba poderosíssimo, dono de uma grande região e exercendo a sua autoridade tradicional sobre um grande número de regulados.
Ela estava destinada a ser conservada virgem, para ser ofertada às divindades de uma tribo maioritária, como tributo; acontece porém que um jovem estrangeiro de origem árabe de nome Mussah, muito audaz, conseguiu penetrar nos sertões da imensa África e enamorou-se dela arrebatadoramente.
Esta, por sua vez, correspondeu fervorosamente a este amor e, durante algum tempo, gozaram as delícias que só estão reservadas aos apaixonados que se amam verdadeiramente, aos sonhadores.
Porém, não há bem que dure sempre. O grande Soba Li-U-Thab foi sabedor destes amores profanos e, numa noite de luar, mandou degolar o jovem estrangeiro e deitou o seu corpo inerte em pedaços no rio sagrado U-Sil, para que os crocodilos e as piranhas o devorassem rapidamente.
Não se pode descrever o desespero e o desgosto da princesa Pemba. E, para provar a sua dor, esfregava todas as manhãs no seu lindo corpo e rosto um pó extraído dos montes brancos Kabanda e, à noite, para que o seu pai não soubesse dessa sua demonstração de pesar pela morte do seu amado, lavava-se nas margens do rio sagrado U-Sil.
Assim fez, durante muito tempo. Porém, um dia, as pessoas da sua tribo que sabiam dessa velha paixão e que assistiram ao seu banho nupcial diário viram com assombro e espanto que ela elevava-se no espaço ficando, em seu lugar, uma grande quantidade de massa branca, lembrando um tubo.
Apavorados, correram a contar ao velho Soba o que viram; este, profundamente desesperado, quis mandar degolar todos os súbditos denunciantes. Porém, como eles houvessem passado e esfregado nas mãos e corpo o pó branco deixado pela princesa Pemba, notaram que a cólera do grande Soba se esvaía, se evaporava, fazendo-o manso, prudente e ponderado, acabando mesmo por não castigar os seus servos.
Começou, então, a correr a fama das qualidades milagrosas da massa deixada pela princesa, que sobreviveu muitas gerações, chegando até aos nossos dias, para benefício daqueles que a ela recorrem e nela ainda acreditam.

Adaptado
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Madorna, 2 de Fevereiro de 1996.

Glossário:
Pemba
- é o nome de um objecto permanente nos ritos africanos mais antigos que se conhecem, fabricado com o pó extraído dos montes brancos Kabanda e água do rio divino U-Sil. Diz-se que é empregue em todos os ritos, cerimónias, festas, reuniões ou solenidades africanas.
É também o nome da cidade capital da província Moçambicana de Cabo Delgado, situada no Norte.
Soba - Chefe da tribo em África; régulo.
Regulados - povoações tribais chefiadas por um régulo.

Ilustração:
"Princesa Pemba"
De Tânia Ferreira
(Professora do Ensino Básico e Artista Plástica)
Lisboa, 2007.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Teu corpo

é como um

rio sem margens!

Por isso

o percorrerei

sem tréguas

infinitamente!

E então,

seremos um!


Delmar Maia Gonçalves

Lisboa \ Carnide

O Regresso Adiado de Malfez Razão Cassamo

“O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber.”
Vergílio Ferreira



O REGRESSO ADIADO DE MALFEZ RAZÃO CASSAMO



Malfez Razão Cassamo ia para Lisboa, viver na Freguesia de São Domingos de Rana,em Cascais, longe de sua amada Farida. Conseguira arranjar uma passagem aérea e um termo de responsabilidade que lhe permitiam seguir viagem. Esperava-o o senhor Peixoto da firma Portelinhas de Lisboa, um cocuana ex. retornado.
Na sua despedida no moderno Aeroporto Internacional de Mavalane em Maputo com alguma emoção o jovem zambeziano dizia: Eu vou na Europa e volto dentro de um ano. Não te preocupes meu amor do coração, não há "viage " sem regresso que não seja a morte.
Eu te amo juro mesmo a fé de Cristo! "Imanse curâne Xarife "!
Não importava o juramento, fosse ele cristão ou muçulmano. Ela tinha de acreditar.
Foi o que fez. .
Despediram-se, ele apanhou o avião e partiu em viagem. Passaram-se entretanto três anos e acontecia tudo menos a chegada de notícias do seu amado.
Começou o desespero.
Ao quarto ano finalmente, Farida recebeu uma carta que dizia: Minha amada do coração,
Estou com muitas saudade tua,, parece mesmo homem sozinho numa ilha.
Talvez estás "dimirada" com tanta poesia, capaz pensas aprendi aqui, mas
nada, ando ler "Vadide Véne" nossos charrua juntamente com Mia Couto e Ungulani com Craveirinha completamente.
- Como vais na saudé?
Você sabes? Estó viver em São Domingos de Rana. Parece Rana é latim puro,
quer dizer que havia muitas rã aqui mesmo e por isso ficou decidido que o
santo era de Rana. É uma completa lindeza! E não tem Baracas, nem palhotas de macubari!
E o teu pai como vai também mesmo?
Eu quero você mesmo ir-me receber no dia vinte de Janeiro no Aeroporto Internacional de Mavalane em Maputo. Veste lá a melhor capulana que você tens, aquele mesmo tem desenho do Santo Papa João Paulo II. É capaz ele dá sorte não é? É por isso é Santo Papa!
Estou imaginar tuas beleza completamente. Teus cabelo parece mesmo barbas de Milho de Nicoadala, teu rosto parece Papaia madura melada de Namacurra, teus olho parece Azeitonas Portuguesa mesmo, tuas mama parece Ananás grande e madura de Licuári, tuas perna grossa parece Manga deMilange, tuas nádega parece de Hema.
Quero você preparar mesmo os melhor oputo e sura para mim e minhas visita
mesmo, juntamente com arroz de coco, Mucuane e Mucapata aqui mesmo nenhuma Mutiana me vai-me enganar!
Malfez Cassamo fizera um pedido a Farida e ela assim fez cumprindo à risca tudo o que o seu amado pedira.
No dia vinte, foi esperá-lo ao Aeroporto conforme o combinado, não sem antes viver as dores de cabeça burocráticas habituais.
O seu brilho era tão grande que até despertava a curiosidade de qualquer curioso ou possível passageiro mais curioso, tamanha era sua beleza e singularidade.
Mas de Malfez Cassamo nem sinal!
Farida desesperada recebeu a triste notícia de que o seu amado havia engravidado uma jovem portuguesa de nome Maria, através de um amigo moçambicano que regressara de férias entretanto.
Ele trazia uma carta que dizia o seguinte em jeito de promessa: - Amor do coração.
Estou maningue triste com responsabilidades de um filho que não sei se é meu.
É mesmo possível engravidar uma mulher com beijos e carícia? Estou maningue confusionado. Eu desconsigo de dormir.
Mas sabes amor, vou fazer divinha no macangueiro Guineense da Avenida de Berna em Lisboa. Aqui na Europa chamam astrólogo, professor, ou mestre aos macangueiro e saem mesmo nos jornal diário com foto e tudo, sabias?
Se for meu filho mesmo, eu regresso para ti com ele, panho o primeiro vião juro mesmo morrer aqui agora! Faz conta ele é teu filho também!
- É que sabes? Parece ela andou brincar com fogo. Era mulher da vida!
Tenho tanto amor, tanto amor por ti que não cabe no coração, a fé de Cristo! Imanse curâne xarife!
Garanto-te que sou como a água do rio que vai e volta e não tem fim também. Do teu eterno amor Malfez!
Passaram-se anos entretanto e de Farida já nada se sabe. Talvez se tenha perdido na longa espera por Malfez Razão ou simplesmente tenha encontrado paz numa morte provavelmente anunciada.
Malfez Razão esse, continua perdido no seu mundo , entre o sonho do regresso anunciado, sua esposa de "emergência" Maria, seu duvidoso filho "fundista" e a lembrança de sua amada e eterna Farida.

Delmar Maia Gonçalves

Almada / Parede, 1996
.

Glossário:
Macangueiro -
o mesmo que curandeiro
Vião - Avião
Divinha - Adivinha
Viage - Viagem
Imanse curâne xarife - Juramento vulgar entre os crentes muçulmanos pelo sagrado livro do Alcorão.
Charrua - Revista literária Moçambicana
Mia Couto - Escritor, Poeta, Jornalista e Biólogo Moçambicano.
Ungulani Ba Ka Khosa - Escritor Moçambicano
José Craveirinha - poeta e escritor Moçambicano, Prémio Camões.
Confusionado - Confuso
Vadide Véne – Muito(a)
Milange - Distrito da provincia moçambicana da Zambézia
Di dje gúluè - Juramento vulgar entre os crentes muçulmanos de Quelimane que falam Chuabo ou Élomwè e que significa "Que eu coma porco", um grande castigo para o crente muçulmano.
Dimirada - Admirada
Sura - Bebida tradicional Moçambicana feita com base no coco
Sô - Senhor
Maputo - antiga Lourenço Marques; capital da República de Moçambique e da província de Maputo
Hema – Hema Malini, actriz indiana de cinema muito admirada em Moçambique.
Baracas - Barracas.
Mutiana – Garota, adolescente.
Cocuana – Velho(a), idoso(a)
Mucapata - Puré de arroz e feijão siroco.
Mucuane – esparregado feito com folhas de abóbora e leite de coco.
Macubari – Folhas de palmeira e coqueiro.

domingo, 2 de agosto de 2009

O protocolo exacerbado roça o ridículo. Algo inaceitável no século XXI.


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 18 de Maio de 2009.

sábado, 1 de agosto de 2009

As obras literárias ou pictóricas são mais importantes do que os seus autores.


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2008.
O livro é como uma religião, só se descobre vivendo-o sem imposições.
O livro é algo para ser descoberto e não imposto.


Delmar Maia Gonçlaves
Alcantara/Lisboa, 11 de Maio de 2009.
Meteram-nos numa redoma e não nos querem seres pensantes e únicos. Querem impor-nos leituras e autores, quando deveriam ser os leitores a escolherem o que é melhor para ser lido e que tipo de autores apreciamos.
A livre descoberta da leitura e dos autores é um acto individual, sublime e único do leitor.


Delmar Maia Gonçalves
Alcântara/Lisboa, 11 de Maio de 2009.
Lá vai Nónó
Belo e vaidoso
Não é rei, não!
Não vai roto
Nem descalço vai
Já tem fato
Tem gravata
Com um nó
Tem camisa
Tem sapato
Bem atado
Mas Nónó
Tem fome
Fome de comer
Fome de saber
E a fome mata!
Não mata?


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 20 de Janeiro de 2008.
Porquê esta dolorosa permanência no sepulcro?
Que doces surpresas ainda me reservas?
Porque ideias e ideais me terei de bater num mundo que caminha em sentido regressivo?
Onde poderei extrair a essência adocicada actual de que o crime compensa?
Como poderei repôr a verdade na máscara da mentira?
Que sabor poderei partilhar?


Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 21 de Junho de 2008.
Fujo sempre da tua insinuante dança,
mas a minha dança leva-me a ti.



Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 16 de de Março de 2008.