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terça-feira, 25 de agosto de 2009
Tu és...
a bússola que
indica a minha luz
Tu és
meu único sentido
e rumo
Tu és
minha razão de
ser e estar.
Que dizer de
uma bússola sem Norte?
Que dizer do
Sul sem bússola?
Que dizer de alguém
sem rumo?
Que dizer de alguém
sem razão de ser e estar?
Delmar Maia Gonçalves
Parede, 6 de Julho de 2008.
João Paulo II
Ser nobre é uma virtude
“Et errare humanum est”
Embora se tenha alcançado o essencial para Moçambique: a paz em todo o território nacional, e esta esteja a ser consolidada. Não seria todavia negativo, antes pelo contrário muito nobre que o governo moçambicano, o partido FRELIMO e o partido RENAMO (M.N.R.) pedissem desculpas e perdão a todo o povo moçambicano pelos dezoito anos de excessos, (violações do direitos humanos, vinganças pessoais, erros graves na governação do país, muitos abusos de poder e massacres em várias povoações na guerra civil de parte a parte. Esta atitude cairia bem nos gravemente lesados cidadãos moçambicanos ou estrangeiros residentes no país ou daqueles que abandonaram o mesmo pelas razões apontadas.
De resto, o governo sul-africano nosso vizinho soube ser inteligente quando formou a Comissão da Verdade e admitiu através do African National Congress ( A. N. C. ) liderado pelo “Madiba” e grande Soba Nelson Mandela, pelos excessos por si cometidos ou por outra, pelos seus guerrilheiros e membros. Hoje até os Boers alinham um pouco pelo mesmo diapasão, embora de forma mais tímida e envergonhada, e também por isso menos inteligente.
Nós sabemos que a governação da República de Moçambique pelo menos até à assinatura do histórico Acordo de Roma “a cidade eterna”, não terá sido só um poço de virtudes antes pelo contrário, foi um acumular de erros sucessivos que se veio a agravar com a guerra civil e a desestabilização Rodesiana e Sul-Africana.
É claro que houve mudanças positivas, muitas coisas positivas aconteceram, mas estiveram longe de satisfazer por completo os moçambicanos, a prova foram os dezoito anos da traumática guerra civil com as suas avalanches de mortes, desaparecimentos, órfãos, viúvas, massacres, mutilados, deficientes, fome, miséria, desinvestimento, falta de quadros e um sem número de traumatizados de guerra.
O povo moçambicano não foi, nem é rancoroso! É pacífico! Mas merece certamente mais atenção, consideração e respeito. E é bom que haja da parte dos políticos moçambicanos de todos os quadrantes sempre consciência dos erros cometidos e coragem para admiti-los e dos defeitos, não só das sagradas virtudes! Virtudes todos nós temos, mas também defeitos por mais pequenos que sejam.
E para bom entendedor meia palavra basta!
Delmar Maia Gonçalves
In “Africamente”
Parede
TOMBA-TOMBA OURIÇO-CACHEIRO
domingo, 23 de agosto de 2009
sábado, 22 de agosto de 2009
A Propósito da Poiesis
A poesia é algo que retrata o complexo e dinâmico equilíbrio instável entre a ordem e o caos, tentando assim interpretar o real, na sua forma mais sensível, o que por si só se torna complexo.
Todos os pontos tentam expressar tudo isto além de alcançar a “expressão de si próprio” com mais ou menos simplicidade e mais ou menos hermetismo.
A linguagem poética é de longe, a linguagem humana mais perfeita, mais original e rara. Como dizia Octávio Paz, “se os líderes lessem poesia, seriam mais sábios”. Acontece que não o fazem.
Poiesis é poesia pura, é paixão, é sabedoria sem sistema, contrariando o gigantesco sistema literário vigente que se mostra fechado, triste, inócuo e pouco profícuo.
Como dizia o genial Tom Peters, a propósito do complexo fenómeno educativo “ou há paixão sem sistema ou sistema sem paixão. É preciso ter as duas coisas.”
Na poesia é assim, ou há paixão ou ela não existe.
A grande diversidade de textos poéticos (em prosa e poesia) apresentados neste projecto, é o garante da sua originalidade e da extrema riqueza que constituí a obra.
Esta obra não é apenas mais um espaço de divulgação poética e para-poética, é um espaço aberto com dimensão cultural alargada e única. É a lusofonia em ebulição, verdadeira, concreta, que nem os políticos são capazes de construir e muito menos de destruir porque dá um sentido profundo aos processos criativos na Língua Portuguesa, língua mãe em tantos e tão diversos espaços criativos.
É um espaço que não é hesitante, pelo contrário é futurista, pluricultural, “intercultural e multicultural” por excelência.
Acredito que a despeito da diversidade e multiplicidade do fenómeno literário, é possível construir-se uma poética universal ou um discurso homogéneo, situando-se a literatura numa espécie de zona incontaminada das ideologias , conferindo-se-lhe um prestígio especial e isolando-a de todas outras formas de discurso.
Nesta perspectiva, discutir o cânone significa questionar um sistema de valores instituído por grupos detentores de algum poder cultural, que legitimaram um repertório, com um discurso, por vezes, classificado de globalizante; esta questão prende-se com a exclusão de uma significativa produção literária vigorosa, oriunda de grupos minoritários nos centros hegemónicos, e da desclassificação ou inclassificação de uma crescente e significativa, produção literária.
Que continue pois a poesia a florescer, surgindo e ressurgindo, nascendo e renascendo, crescendo e amadurecendo! É bom para a literatura universal.
Delmar Maia Gonçalves
Parede/Wimbledon/Londres, 25/28 de Agosto de 2006
Moçambique, minha Pátria, minha Mátria
onde vivi minha infância
e cresci
Onde brinquei
e fui feliz
Tinha donos e servidores.
Mas os donos
não eram donos!
Os verdadeiros donos eram
os servidores.
Havia total domínio dos donos
sobre os servidores
Mas havia também uma revolta silenciosa
nos servidores
Por vezes haviam reclamações dos servidores
aos “donos”
Soava então, o chicote.
Os servidores acatavam as ordens
dos “donos”
Um dia de madrugada
um galo cantou e nasceu o sol com
a revolução
E os servidores passaram a senhores
e os “donos” a nada
Alguns “donos” fugiram,
outros ficaram a trabalhar em igualdade
com os servidores.
Os campos tornaram-se férteis
A prosperidade estava no horizonte,
Já se cantava a esperança.
Até que um dia
chegou uma praga
de “ratos”
Eram a morte!
Roeram tudo.
Apesar das dificuldades
a esperança de melhores dias
Não morreu
E ainda hoje se
canta a esperança.
Delmar Maia Gonçalves
Parede, 04 de Março de 1986
Ilustração:
Forever to be a child
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Matusse na Sala de Aula
Romanos 12:12
MATUSSE NA SALA DE AULA
Matusse era uma criança negra moçambicana com seis aninhos. Tinha uns enormes olhos castanhos e era diferente de todas as outras. Muito atento, educado e respeitador, estudava na segunda classe do ensino primário, na Escola Primária de Sinacura em Quelimane e parecia entender tudo o que a Professora Irmã Ester dizia, por isso é que quando o interpelava, ele respondia prontamente.
Ah, mas a sua principal virtude na sala, era a de respeitar todos os colegas e os seus haveres, embora modestamente não exigisse nunca o mesmo dos outros.
O tempo passava, no entanto, qualquer coisa de grave se passava com ele ultimamente, o seu silêncio denunciava algo estranho, muito estranho!
Em certas alturas, isso era mais do que evidente. É que ele adormecia agarrado aos livros e cadernos, habituado que estava aos roubos frequentes no seu bairro na Missão de Coalane, nos chamados subúrbios de Quelimane. Algo perfeitamente anormal.
Mas porque estaria o Matusse tão triste? Porque adormeceria ele em plena aula?
Castiano, um seu amigo muito próximo, confidenciara-me que Matusse saía de casa de manhã sem tomar o pequeno almoço e não levava consigo nunca uns míseros trocados para comprar uma patanicua. É que ele adorava patanicuas! Mas nem para isso ele tinha dinheiro.
Por vezes a velha Vitória, a que vendia as patanicuas, com muita pena lhe dava apenas uma. E com muita pena mesmo, pois, por um lado, sempre lhe eram úteis uns trocados e por outro tinha muita afeição por Matusse. E tinha tão bom coração aquela velha!...
Mas à tarde o Matusse voltava novamente à escola sem almoçar. É que a sua mãe trabalhava e almoçava no local de trabalho (na fábrica de cervejas, como empregada de limpeza), e o seu pai desempregado, era um alcoólico degenerado. E o dinheiro das esmolas que se destinava ao almoço acabava sempre na taberna do Sô Reis no velho bairro popular.
E até ao final do ano lectivo, o quotidiano do Matusse era sempre o mesmo. Não tomava o pequeno-almoço, adormecia na aula porque não almoçava. Seus pais não o entendiam, nem tinham tempo para ele, a professora andava demasiado ocupada com todos para pensar unicamente no caso deste bom aluno que adormecia em plenas aulas.
E o resultado disto foi o chumbo surpreendente daquele que poderia ter sido o melhor aluno da turma, mas que não tivera a estrela da sorte do seu lado, nem os Deuses.
Delmar Maia Gonçalves
Glossário:
Patanicua - doce de açúcar com coco ou farinha.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Mulher XV
Lírio do Campo
Percorri-te
de Norte a Sul
Amei-te
desesperadamente
perdidamente
apaixonadamente.
Li-te poemas
de Neruda.
Amplexos ardentes
nos envolveram.
Terá sido
amor ou paixão?
Ao percorrer-te as ilhas
dos seios,
pensei nos dois.
Amei-te loucamente
Desejei-te permanentemente,
folgadamente
Não fora
a tempestade maternal
e teria criado
raizes em ti.
Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 19 de Março de 1996.
Ilustração:
"Mulher XVIII"
De Alexandra
(Artista Plástica)
Lisboa, 2001.
Mulher XXIX
Delmar Maia Gonçalves
Ilustração:
Voltarei
E eu
Um viandante
Encalhado no atlântico
Estou longe
Muito longe
Atravessei mares e oceanos
Escalei montanhas e planaltos
Percorri florestas e desertos
A marcha foi longa
Mas tem retrocesso
Um dia descobrirás
O atlântico já descobriu
E vai devolver-me.
Voltarei
Partiremos então
Em viagem nupcial
Que vem de longe com o tempo
E iremos à Zalala
Numa simbiose ímpar.
Como sempre:
Eu sou tu, tu és eu
Não te esqueças
Moçambique
Voltarei!
Delmar Maia Gonçalves
Glossário:
Zalala – Praia que fica nos arredores de Quelimane.
Deixem-me Sonhar
Ilustração:
Criança, Mulher e Filha
Queria contar-te
o quanto este mundo é belo.
Queria contar-te
quanta alegria trazem as crianças
que nascem um pouco por todo o lado.
Queria contar-te
que apesar das dificuldades da vida
haverá sempre uma saída razoável,
aceitável, possível.
Queria expressar-te
todo o amor que sinto por ti
Queria expressar-te
todas as alegrias que tive na vida.
Queria falar-te
das minhas apreensões e medos
Queria falar-te
das armadilhas que o mundo tece.
Queria falar-te
das ilusões que nos transmitem
diariamente
Queria falar-te
das riquezas provenientes
da diferença.
Queria falar-te
da beleza da fantasia.
Queria falar-te
da pureza da natureza
e da sua vitalidade.
Queria falar-te
de Moçambique, minha pátria amada.
Queria falar-te
das virtudes da paz
e dos horrores da guerra.
Queria falar-te,
por fim, da inevitabilidade
da morte.
Delmar Maia Gonçalves
São Domingos de Rana, 7 de Abril de 1999.
Ilustração:
"Para Luna Delmar..."
De Vera Novo Fornelos
(Poetisa e Artista Plástica)
Viana do Castelo, 2007.
Queria que o meu país...
Eu queria que o meu país
fosse feito de alegria
Queria que no meu país
não houvesse ódio
Queria que o meu país
não conhecese a guerra
só amor em abundância
amor e muita criança.
Mas com a barriga cheia!
Queria que o meu país
fosse um país sem tristezas
um país sem agressão
e que houvesse sempre pão.
Queria ver o meu país
Como um enorme jardim sem igual
cheio de Acácias,
Buganvílias e Cravos.
Delmar Maia Gonçalves
Quelimane, 4 de Abril de 1984.
Ilustração:
De Roberto Chichorro
(Artista Plástico Moçambicano)
Lisboa, 2002.
Singularidade Africana
Quando carrego no “d”
Alguns doutos ignorantes
Riem-se da inovação
Quando mastigo um “r”
Lá vem a correcção dos
Supostos eruditos
Quando me pronuncio
Moçambicanamente
Alguém expressa
Um sorriso estridente
Quase incontínuo
Deixem-me dar o grito
Que não é do Ipiranga
Mas que o é.
- Caramba!
Escrevo o país de mim
Falo o povo de mim
Falo o espaço que é meu
Canto o canto que é meu.
Ninguém compreende
Minha singularidade
Talvez Camões
Compreendesse
E eu danço nela.
Delmar Maia Gonçalves
Ilustração:
"Singularidade Africana"
De Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Lisboa, 2006.
Tabuleiro de Xadrez
Sou o que sou, não o nego,
para os negros sou mulato
ou misto
Para os brancos sou preto ou mulato
E eu sou igual a mim próprio
e resultado do famigerado
jogo de xadrez
de quadrados pretos e brancos,
numa simbiose ímpar.
Sim, sou só comparável
ao tabuleiro de xadrez
de Tenreiro
Enquanto dois intervenientes
disputam um argumento,
eu abstenho-me
calado.
Delmar Maia Gonçalves
Maputo/Parede, 2 de Fevereiro de 1985.
Ilustração:
"Tabuleiro de Xadrez"
De Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Lisboa, 2006.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
O Rei de Kanem Borno as Sete Esposas
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Ilustração:
Malfez Razão
Walt Disney
Glossário:
Ilustração:
Recado aos Senhores Doutores
Leonardo Da Vinci
RECADO AOS SENHORES DOUTORES
Por vezes « a montanha acaba por parir um rato », diz um velho ditado.
Em tempos, ouvi com atenção meu avô dizer « mais vale prevenir do que remediar » e « mais vale andar devagar e bem, do que depressa e mal ». E, de facto, tinha razão!
Embora respeite as pessoas por aquilo que são, e não por aquilo que aparentam ser, não me apraz nada registar que não há regra sem excepção, isto é, pela negativa há pessoas que são o que são, mas também aparentam ser aquilo que são!
O certo é que quando afirmamos “para ser verdadeiro..., em pura verdade...”, as mais das vezes estamos a ser falsos; quando insistimos que“ nada temos contra os negros, nada temos contra os árabes muçulmanos” é porque somos demasiado pelos cristãos, é porque somos demasiado pelos brancos; e quando passeamos pelas ruas e pelos media a pancarta de doutor, é porque de doutor nos sobra o nome.
Para bom entendedor meia palavra basta. Não é o título académico de «doutor» que nos fará deixar de ser modestos e humildes nem são os cargos oficiais que nos tornarão egocêntricos, snobs e nos farão olhar para os «outros» de alto a baixo, que o céu até tem dono!! Ou não será?
Na verdade, até nos dava muito prazer juntarmo-nos aos não académicos, em suma, ao povo iletrado, para lhes mostrarmos o caminho que nos parece mais acertado! Seria mais nobre e, para além disso, só ficaríamos a ganhar; mesmo que fosse só em simpatia e generosidade!
Os cargos oficiais são temporários, não são vitalícios. O povo, esse sim, é eterno ou pelo menos, eterniza-se para além da vida!
É preciso que reflictam na importância que tem o nome que nos é atribuído. Já pensaram no significado e no valor que cada nome encerra, senhores “doutores”? Já pensaram que antes de sermos «doutores» já tínhamos um nome? Já éramos aquilo que somos? Sabiam que esses nomes nos remetem para as nossas origens?
Valerá a pena ignorar as nossas origens, a formação humana, as relações humanas em nome da formação académica, ou de um cargo oficial? Em nome da dominação vale a pena mudar o mundo?
O modo de pensar ocidental tem sido massivamente impregnado e perversamente estruturado pela lógica do “terceiro excluído”. Dito por palavras mais concretas, pela “lógica da disjunção”, e da exclusão. Quer dizer, ou se é verdadeiro ou se é falso; ou se é “preto” ou se é “branco”; ou se é bom ou se é mau; ou se é homem ou se é mulher; ou se é doutor ou não se é.
“Ser ou não ser”, estigmatizava-nos sempre e eternamente Shakespeare. Estigma de mais de trezentos anos, repisando a marca disjuntiva de Aristóteles. Acontece, no entanto, que a vida não funciona segundo a lógica da exclusão. Nem a vida, nem nós, nem os mais simples cidadãos deste mundo, nem por sinal os nossos “eternos” e enigmáticos políticos.
Sou demasiado pequeno para isso, demasiado cobarde para tamanha façanha, sou mesmo um fraco, mas senhores doutores, na verdade, não me pude conter e, vai daí, aquele desabafo. Quero que tenham em atenção todo este tempo em que permaneci calado, muito calado! Chega! Basta! Acredito na liberdade!
Enfie pois, a carapuça quem quiser!
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Parede, 04 de Agosto de 1999.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Mataram Bafo de Bode
Einstein MATARAM O BAFO DE BODE
Chamava-se Bafo de Bode? Não. Mas era assim que eu via, olhava, pensava, imaginava e chamava aquele homem, aquele velho personagem, aquele cidadão ao mesmo tempo conhecido e anónimo, talvez inocente, talvez culpado.
Mataram-no. Não sei se justa ou injustamente, não sei como nem porquê. Haverão mortes justas? Tenho dúvidas!
Os homens são assim, ou amam ou odeiam, nunca são indiferentes!
Mataram um homem que sendo pobre não mendigava e no entanto incomodava.
Era incómodo porque espelhava aquilo que não queríamos ser, espalhava aquilo que não queríamos ver era o rosto da nossa vergonha, era a prova do nosso egoísmo, da nossa indiferença, da nossa culpa, dos nossos valores vigentes, das nossas ambições, dos nossos receios, das nossas sociedades, dos nossos modelos de sociedades.
Deambulava pelas tabernas de Matarraque, Madorna, Penedo, Murtal e Parede (nos arredores da grande Lisboa), por vezes de madrugada, outras vezes à noite. Era um filho da noite!
E como ele, existem muitos em Lisboa, Maputo, Nova Deli, São Paulo, Camberra ou Nova Iorque.
As pessoas encaravam-no com alguma indiferença, havia nos olhares uma certa repulsa e porque o egoísmo sempre se sobrepôs à razão, ele multiplicou o seu bafum até ao último suspiro.
Foi encontrado morto na madrugada de dezassete de Novembro. Que erro fatídico terá cometido ele?
O dedo acusador dirige-se a nós, homens, aos nossos valore vigentess e ideais e às nossas sociedades profundamente competitivas, consumistas, egoístas e materialistas.
E enquanto bafos de bodes continuarem a nascer, morrer ou ser mortos, a nossa consciência não nos perdoará.
Chegou a hora de reflectirmos seriamente acerca de quantos bafos de bode haverá por esse mundo fora e sobretudo sobre os porquês desse facto.
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora - CEMD)
Vozes
Vozes ancestrais
me murmuram.
Com que propósitos
me murmuram?
Vozes ancestrais
me segredam.
Com que intenções
me segredam?
Vozes de silêncio
Se lamentam
Porque razões
se lamentam?
Delmar Maia Gonçalves
Lisboa/Carnide, 5 de Maio de 2006.
Glossário para um Povo e uma Pátria
Inteligência - Sabem ser humildes quando devem sê-lo sem perderem a dignidade.
Paciência - Virtude magnânima sempre presente em todos os momentos da história Maubere.
Prudência - A história ensinou-os a verem para crerem e da experiência se fez vida.
Firmeza - A atitude permanente na defesa de princípios.
Grandeza - Resultante de tanta inteligência, paciência e prudência.
Nobreza - Eterno estado de espírito do povo Maubere.
Resistência - Resistiram a tudo e todos como povo e nação.
Riqueza - O poder da resistência da Cultura contra o invasor que fez deste povo aquilo que é e será: Pátria chamada Timor Lorosae.
Delmar Maia Gonçalves
Parede, 8 de Outubro de 1999.
Magister Picasso
O teu Ego
Foi o derradeiro sepulcro
Das tuas paixões
A ideia da perfeição absoluta
Nunca te olvidou
Perseguiu-te
Obcecou-te!
E construíste um castelo de areia
Pejado de paletes, telas, tintas
E obsessões
Próprio dos magnos
Que conscientes da efemeridade
Que olham ao espelho
E se confundem.
Não só precisavas
De bajulação alheia
Mas também de auto-bajulamento
“Uma atitude menor”!
Precisavas de pintar
Pedra em vez de corpo
Precisavas de tempo
Para aprender
Existiria a palavra humildade
No teu vocabulário?
Magister já eras!
À espécie humana sobra a tua arte
A ti a imortalidade!
Delmar Maia Gonçalves
Ponte de Lima, 02 de Maio de 2008.
Ilustração:
"Magister Picasso"
De Vera Novo Fornelos
(Poetisa e Artista Plástica)
Viana do Castelo, Setembro de 2008
Náufrago Africano
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Delmar Maia Gonçalves
In Jornal "Público", em 28 de Fevereiro de 1996.
In Revista "África Hoje", em Março de 1996.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
O meu avô Dalas e o Sporting
Delmar Maia Gonçalves
Princesa Pemba, a filha do grande Soba Li-U-Thab
Conta a lenda de uma pequena mas pujante tribo da África Oriental, junto da actual costa Moçambicana, o seguinte sobre a princesa Pemba:
Pemba era o nome de uma gentil e formosa filha do grande Soba Li-U-Thab, educado em Medina, na Arábia Saudita. Este era um Soba poderosíssimo, dono de uma grande região e exercendo a sua autoridade tradicional sobre um grande número de regulados.
Ela estava destinada a ser conservada virgem, para ser ofertada às divindades de uma tribo maioritária, como tributo; acontece porém que um jovem estrangeiro de origem árabe de nome Mussah, muito audaz, conseguiu penetrar nos sertões da imensa África e enamorou-se dela arrebatadoramente.
Esta, por sua vez, correspondeu fervorosamente a este amor e, durante algum tempo, gozaram as delícias que só estão reservadas aos apaixonados que se amam verdadeiramente, aos sonhadores.
Porém, não há bem que dure sempre. O grande Soba Li-U-Thab foi sabedor destes amores profanos e, numa noite de luar, mandou degolar o jovem estrangeiro e deitou o seu corpo inerte em pedaços no rio sagrado U-Sil, para que os crocodilos e as piranhas o devorassem rapidamente.
Não se pode descrever o desespero e o desgosto da princesa Pemba. E, para provar a sua dor, esfregava todas as manhãs no seu lindo corpo e rosto um pó extraído dos montes brancos Kabanda e, à noite, para que o seu pai não soubesse dessa sua demonstração de pesar pela morte do seu amado, lavava-se nas margens do rio sagrado U-Sil.
Assim fez, durante muito tempo. Porém, um dia, as pessoas da sua tribo que sabiam dessa velha paixão e que assistiram ao seu banho nupcial diário viram com assombro e espanto que ela elevava-se no espaço ficando, em seu lugar, uma grande quantidade de massa branca, lembrando um tubo.
Apavorados, correram a contar ao velho Soba o que viram; este, profundamente desesperado, quis mandar degolar todos os súbditos denunciantes. Porém, como eles houvessem passado e esfregado nas mãos e corpo o pó branco deixado pela princesa Pemba, notaram que a cólera do grande Soba se esvaía, se evaporava, fazendo-o manso, prudente e ponderado, acabando mesmo por não castigar os seus servos.
Começou, então, a correr a fama das qualidades milagrosas da massa deixada pela princesa, que sobreviveu muitas gerações, chegando até aos nossos dias, para benefício daqueles que a ela recorrem e nela ainda acreditam.
Adaptado
Delmar Maia Gonçalves
Madorna, 2 de Fevereiro de 1996.
Glossário:
Pemba - é o nome de um objecto permanente nos ritos africanos mais antigos que se conhecem, fabricado com o pó extraído dos montes brancos Kabanda e água do rio divino U-Sil. Diz-se que é empregue em todos os ritos, cerimónias, festas, reuniões ou solenidades africanas.
É também o nome da cidade capital da província Moçambicana de Cabo Delgado, situada no Norte.
Soba - Chefe da tribo em África; régulo.
Regulados - povoações tribais chefiadas por um régulo.
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
O Regresso Adiado de Malfez Razão Cassamo
Vergílio Ferreira
O REGRESSO ADIADO DE MALFEZ RAZÃO CASSAMO
Malfez Razão Cassamo ia para Lisboa, viver na Freguesia de São Domingos de Rana,em Cascais, longe de sua amada Farida. Conseguira arranjar uma passagem aérea e um termo de responsabilidade que lhe permitiam seguir viagem. Esperava-o o senhor Peixoto da firma Portelinhas de Lisboa, um cocuana ex. retornado.
Na sua despedida no moderno Aeroporto Internacional de Mavalane em Maputo com alguma emoção o jovem zambeziano dizia: Eu vou na Europa e volto dentro de um ano. Não te preocupes meu amor do coração, não há "viage " sem regresso que não seja a morte.
Eu te amo juro mesmo a fé de Cristo! "Imanse curâne Xarife "!
Não importava o juramento, fosse ele cristão ou muçulmano. Ela tinha de acreditar.
Foi o que fez. .
Despediram-se, ele apanhou o avião e partiu em viagem. Passaram-se entretanto três anos e acontecia tudo menos a chegada de notícias do seu amado.
Começou o desespero.
Ao quarto ano finalmente, Farida recebeu uma carta que dizia: Minha amada do coração,
Estou com muitas saudade tua,, parece mesmo homem sozinho numa ilha.
Talvez estás "dimirada" com tanta poesia, capaz pensas aprendi aqui, mas
nada, ando ler "Vadide Véne" nossos charrua juntamente com Mia Couto e Ungulani com Craveirinha completamente.
- Como vais na saudé?
Você sabes? Estó viver em São Domingos de Rana. Parece Rana é latim puro,
quer dizer que havia muitas rã aqui mesmo e por isso ficou decidido que o
santo era de Rana. É uma completa lindeza! E não tem Baracas, nem palhotas de macubari!
E o teu pai como vai também mesmo?
Eu quero você mesmo ir-me receber no dia vinte de Janeiro no Aeroporto Internacional de Mavalane em Maputo. Veste lá a melhor capulana que você tens, aquele mesmo tem desenho do Santo Papa João Paulo II. É capaz ele dá sorte não é? É por isso é Santo Papa!
Estou imaginar tuas beleza completamente. Teus cabelo parece mesmo barbas de Milho de Nicoadala, teu rosto parece Papaia madura melada de Namacurra, teus olho parece Azeitonas Portuguesa mesmo, tuas mama parece Ananás grande e madura de Licuári, tuas perna grossa parece Manga deMilange, tuas nádega parece de Hema.
Quero você preparar mesmo os melhor oputo e sura para mim e minhas visita
mesmo, juntamente com arroz de coco, Mucuane e Mucapata aqui mesmo nenhuma Mutiana me vai-me enganar!
Malfez Cassamo fizera um pedido a Farida e ela assim fez cumprindo à risca tudo o que o seu amado pedira.
No dia vinte, foi esperá-lo ao Aeroporto conforme o combinado, não sem antes viver as dores de cabeça burocráticas habituais.
O seu brilho era tão grande que até despertava a curiosidade de qualquer curioso ou possível passageiro mais curioso, tamanha era sua beleza e singularidade.
Mas de Malfez Cassamo nem sinal!
Farida desesperada recebeu a triste notícia de que o seu amado havia engravidado uma jovem portuguesa de nome Maria, através de um amigo moçambicano que regressara de férias entretanto.
Ele trazia uma carta que dizia o seguinte em jeito de promessa: - Amor do coração.
Estou maningue triste com responsabilidades de um filho que não sei se é meu.
É mesmo possível engravidar uma mulher com beijos e carícia? Estou maningue confusionado. Eu desconsigo de dormir.
Mas sabes amor, vou fazer divinha no macangueiro Guineense da Avenida de Berna em Lisboa. Aqui na Europa chamam astrólogo, professor, ou mestre aos macangueiro e saem mesmo nos jornal diário com foto e tudo, sabias?
Se for meu filho mesmo, eu regresso para ti com ele, panho o primeiro vião juro mesmo morrer aqui agora! Faz conta ele é teu filho também!
- É que sabes? Parece ela andou brincar com fogo. Era mulher da vida!
Tenho tanto amor, tanto amor por ti que não cabe no coração, a fé de Cristo! Imanse curâne xarife!
Garanto-te que sou como a água do rio que vai e volta e não tem fim também. Do teu eterno amor Malfez!
Passaram-se anos entretanto e de Farida já nada se sabe. Talvez se tenha perdido na longa espera por Malfez Razão ou simplesmente tenha encontrado paz numa morte provavelmente anunciada.
Malfez Razão esse, continua perdido no seu mundo , entre o sonho do regresso anunciado, sua esposa de "emergência" Maria, seu duvidoso filho "fundista" e a lembrança de sua amada e eterna Farida.
Delmar Maia Gonçalves
Glossário:
Macangueiro - o mesmo que curandeiro
Vião - Avião
Divinha - Adivinha
Viage - Viagem
Imanse curâne xarife - Juramento vulgar entre os crentes muçulmanos pelo sagrado livro do Alcorão.
Charrua - Revista literária Moçambicana
Mia Couto - Escritor, Poeta, Jornalista e Biólogo Moçambicano.
Ungulani Ba Ka Khosa - Escritor Moçambicano
José Craveirinha - poeta e escritor Moçambicano, Prémio Camões.
Confusionado - Confuso
Vadide Véne – Muito(a)
Milange - Distrito da provincia moçambicana da Zambézia
Di dje gúluè - Juramento vulgar entre os crentes muçulmanos de Quelimane que falam Chuabo ou Élomwè e que significa "Que eu coma porco", um grande castigo para o crente muçulmano.
Dimirada - Admirada
Sura - Bebida tradicional Moçambicana feita com base no coco
Sô - Senhor
Maputo - antiga Lourenço Marques; capital da República de Moçambique e da província de Maputo
Hema – Hema Malini, actriz indiana de cinema muito admirada em Moçambique.
Baracas - Barracas.
Mutiana – Garota, adolescente.
Cocuana – Velho(a), idoso(a)
Mucapata - Puré de arroz e feijão siroco.
Mucuane – esparregado feito com folhas de abóbora e leite de coco.
Macubari – Folhas de palmeira e coqueiro.
domingo, 2 de agosto de 2009
sábado, 1 de agosto de 2009
A livre descoberta da leitura e dos autores é um acto individual, sublime e único do leitor.
Delmar Maia Gonçalves
Alcântara/Lisboa, 11 de Maio de 2009.
Que doces surpresas ainda me reservas?
Porque ideias e ideais me terei de bater num mundo que caminha em sentido regressivo?
Onde poderei extrair a essência adocicada actual de que o crime compensa?
Como poderei repôr a verdade na máscara da mentira?
Que sabor poderei partilhar?
Delmar Maia Gonçalves
Lisboa, 21 de Junho de 2008.