“Sê paciente na adversidade e constante na prece”
Romanos 12:12
MATUSSE NA SALA DE AULA
Matusse era uma criança negra moçambicana com seis aninhos. Tinha uns enormes olhos castanhos e era diferente de todas as outras. Muito atento, educado e respeitador, estudava na segunda classe do ensino primário, na Escola Primária de Sinacura em Quelimane e parecia entender tudo o que a Professora Irmã Ester dizia, por isso é que quando o interpelava, ele respondia prontamente.
Ah, mas a sua principal virtude na sala, era a de respeitar todos os colegas e os seus haveres, embora modestamente não exigisse nunca o mesmo dos outros.
O tempo passava, no entanto, qualquer coisa de grave se passava com ele ultimamente, o seu silêncio denunciava algo estranho, muito estranho!
Em certas alturas, isso era mais do que evidente. É que ele adormecia agarrado aos livros e cadernos, habituado que estava aos roubos frequentes no seu bairro na Missão de Coalane, nos chamados subúrbios de Quelimane. Algo perfeitamente anormal.
Mas porque estaria o Matusse tão triste? Porque adormeceria ele em plena aula?
Castiano, um seu amigo muito próximo, confidenciara-me que Matusse saía de casa de manhã sem tomar o pequeno almoço e não levava consigo nunca uns míseros trocados para comprar uma patanicua. É que ele adorava patanicuas! Mas nem para isso ele tinha dinheiro.
Por vezes a velha Vitória, a que vendia as patanicuas, com muita pena lhe dava apenas uma. E com muita pena mesmo, pois, por um lado, sempre lhe eram úteis uns trocados e por outro tinha muita afeição por Matusse. E tinha tão bom coração aquela velha!...
Mas à tarde o Matusse voltava novamente à escola sem almoçar. É que a sua mãe trabalhava e almoçava no local de trabalho (na fábrica de cervejas, como empregada de limpeza), e o seu pai desempregado, era um alcoólico degenerado. E o dinheiro das esmolas que se destinava ao almoço acabava sempre na taberna do Sô Reis no velho bairro popular.
E até ao final do ano lectivo, o quotidiano do Matusse era sempre o mesmo. Não tomava o pequeno-almoço, adormecia na aula porque não almoçava. Seus pais não o entendiam, nem tinham tempo para ele, a professora andava demasiado ocupada com todos para pensar unicamente no caso deste bom aluno que adormecia em plenas aulas.
E o resultado disto foi o chumbo surpreendente daquele que poderia ter sido o melhor aluno da turma, mas que não tivera a estrela da sorte do seu lado, nem os Deuses.
Delmar Maia Gonçalves
Romanos 12:12
MATUSSE NA SALA DE AULA
Matusse era uma criança negra moçambicana com seis aninhos. Tinha uns enormes olhos castanhos e era diferente de todas as outras. Muito atento, educado e respeitador, estudava na segunda classe do ensino primário, na Escola Primária de Sinacura em Quelimane e parecia entender tudo o que a Professora Irmã Ester dizia, por isso é que quando o interpelava, ele respondia prontamente.
Ah, mas a sua principal virtude na sala, era a de respeitar todos os colegas e os seus haveres, embora modestamente não exigisse nunca o mesmo dos outros.
O tempo passava, no entanto, qualquer coisa de grave se passava com ele ultimamente, o seu silêncio denunciava algo estranho, muito estranho!
Em certas alturas, isso era mais do que evidente. É que ele adormecia agarrado aos livros e cadernos, habituado que estava aos roubos frequentes no seu bairro na Missão de Coalane, nos chamados subúrbios de Quelimane. Algo perfeitamente anormal.
Mas porque estaria o Matusse tão triste? Porque adormeceria ele em plena aula?
Castiano, um seu amigo muito próximo, confidenciara-me que Matusse saía de casa de manhã sem tomar o pequeno almoço e não levava consigo nunca uns míseros trocados para comprar uma patanicua. É que ele adorava patanicuas! Mas nem para isso ele tinha dinheiro.
Por vezes a velha Vitória, a que vendia as patanicuas, com muita pena lhe dava apenas uma. E com muita pena mesmo, pois, por um lado, sempre lhe eram úteis uns trocados e por outro tinha muita afeição por Matusse. E tinha tão bom coração aquela velha!...
Mas à tarde o Matusse voltava novamente à escola sem almoçar. É que a sua mãe trabalhava e almoçava no local de trabalho (na fábrica de cervejas, como empregada de limpeza), e o seu pai desempregado, era um alcoólico degenerado. E o dinheiro das esmolas que se destinava ao almoço acabava sempre na taberna do Sô Reis no velho bairro popular.
E até ao final do ano lectivo, o quotidiano do Matusse era sempre o mesmo. Não tomava o pequeno-almoço, adormecia na aula porque não almoçava. Seus pais não o entendiam, nem tinham tempo para ele, a professora andava demasiado ocupada com todos para pensar unicamente no caso deste bom aluno que adormecia em plenas aulas.
E o resultado disto foi o chumbo surpreendente daquele que poderia ter sido o melhor aluno da turma, mas que não tivera a estrela da sorte do seu lado, nem os Deuses.
Delmar Maia Gonçalves
Olivais/Lisboa, 25 de Junho de 1995.
Glossário:
Patanicua - doce de açúcar com coco ou farinha.
Glossário:
Patanicua - doce de açúcar com coco ou farinha.
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